Laís Mazzucco retrata a performance de gênero em sua primeira exposição solo

Montagem está em exposição no espaço Oficinas de Arte do CIC até 13 de julho

Camila Borges

Laís Mazzucco durante vernissage da exposição “Ensaio sobre o delírio” no CIC em 13/06/2025. (Foto: Júlia Perosa)

A idealização da feminilidade, a performance de gênero e a relação entre o útero e a histeria inspiraram Laís Mazzucco a compor o Ensaio sobre o delírio, montagem com 12 fotos que retratam as percepções da fotógrafa sobre a construção social do feminino. 

Inspirada na História da Loucura de Foucault e em conceitos da psicanálise como a histeria, a neurose e obsessão, Laís denuncia em suas fotos que a mulher ideal não existe. A artista analisa o crescimento de movimentos nas redes sociais como o das tradwives, que defendem papéis de gênero tradicionais no casamento e na família. “Tem uma onda de feminilidade nas redes sociais que tenta ditar como a mulher deve ser. Quem não se encaixa nesses padrões é tida como louca, histérica. Eu percebi que essas mulheres da internet são escolas que ensinam a como performar gênero e isso é muito cruel”, observa.

Técnicas como a longa-exposição e o granulado representam como a mulher perfeita ocupa um não-lugar, denotando a barreira entre o ideal e o real. “Eu acho que a loucura está na dissociação entre o fato e a realidade. Não é possível ver o rosto da mulher nas fotos. E se aparece rosto, tem um véu por cima. Sempre tem essa barreira porque a mulher que eu retrato é genérica, não tem identidade, apenas segue o padrão esperado”. 

Elementos como peças de xadrez, galhos secos e o desnudo também fazem parte da composição. Laís explica que o tabuleiro de xadrez está associado ao jogo da performance de gênero teorizado por Judith Butler. “Estamos sempre em um jogo, tentando se adequar e corresponder”, explica. Para a fotógrafa, elementos de nudez remetem à verdade e foram compostos com imagens da natureza como galhos secos para denotar a naturalidade do ser.

“Fazendo esse trabalho eu reconheci o que era mentira em mim e o que era verdade, o que eu fazia para tentar me adequar. Pensei muito no conto da Clarice Lispector que diz ‘se eu fosse eu, onde eu esconderia onde eu teria guardado esse papel?’ Fiquei nisso. Se eu fosse eu, o que eu faria? E daí fui para frente da câmera”.

Fotos em exposição durante vernissage no CIC em 13/06/2025. (Foto: Júlia Perosa)

A curadora da mostra, Lucila Horn, analisa que a montagem “é um convite a uma jornada visual que explora as fronteiras entre a razão e a loucura. As fotografias são um mergulho nas nuances do delírio humano, onde o caos e a beleza coexistem”. De acordo Lucila, Laís é “uma fotógrafa autêntica que não tem medo de realizar experimentações e que pesquisa profundamente as relações entre seu trabalho e outras linguagens artísticas.” 

Laís já fez exposições coletivas na Galeria Cosmos de Balneário Camboriú, Galeria Helena Fretta, Galeria do Mercado Público e no Núcleo de Estudos em Fotografia e Arte (Nefa). Participou do Festival Internacional de Cinema de Ficção Científica no CIC com um vídeo-arte e de publicações na revista literária de Letras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

A artista pondera a importância de ter uma exposição solo, pois assim é intensificada a maneira como o espectador é provocado. “Em uma exposição coletiva a narrativa não é só tua. Uma exposição solo escancara melhor minhas experiências e a mensagem que quero repassar”, observa.

Ensaio sobre o delírio tem co-curadoria de Antonio Pfützenreuter dos Reis e já foi exposta no Centro de Eventos da UFSC de 25 de abril a 31 de maio. A montagem agora está em exposição no Espaço Oficinas de Arte Centro Integrado de Cultura (CIC) até 13 de julho. A visitação é gratuita de terça a domingo, das 10h às 21h. 

Curadora Lucila Horn, artista Laís Mazzucco e co-curador Antonio Pfützenreuter dos Reis durante vernissage no CIC em 13/06/2025. Foto: Júlia Perosa.
Vernissage no CIC em 13/06/2025. (Foto: Júlia Perosa)

Fotografar é uma forma de encontrar sanidade para Laís, de 23 anos, estudante de Letras – Língua Portuguesa e Literaturas na UFSC. “A fotografia me deixa sã e consciente de como eu estou vivendo, o que eu estou fazendo, por que e para quem. No começo eu ficava longos períodos sem fotografar, depois foi se tornando uma necessidade.” Seu primeiro contato com a fotografia foi aos sete anos de idade, quando tirou um autorretrato chorando.

O interesse pela arte e pela cultura fez com que Laís viesse para Florianópolis em 2018 para cursar Letras. Ela é natural de Orleans, cidade com pouco mais de 22 mil habitantes no sul de Santa Catarina. Laís explica que no interior do estado o acesso aos dispositivos culturais é limitado. “Na pandemia eu voltei para minha cidade natal e estava me sentindo sufocada, por isso fiz muita fotografia. Comecei a fazer algo parecido com a Francesca Woodman, uma artista que produzia autorretratos na década de 80. Fui testando e fiquei apaixonada”.

A participação no Núcleo de Estudos em Fotografia e Arte (Nefa), da UFSC, fez com que Laís tivesse um acompanhamento e direcionamento. “A Lu é bem exigente, mas eu não teria conseguido fazer essa exposição sem ela. Ela me abriu muitas portas”, diz a artista ao se referir à Lucila Horn, coordenadora do Nefa. Ela também ressalta a importância do co-curador Antonio Pfützenreuter dos Reis e dos colegas do Nefa para realização da montagem. “A UFSC foi fundamental nisso tudo porque foi lá que expus meus primeiros trabalhos”, destaca.

Laís compreende que o papel da arte na atualidade é desalienar as percepções e provocar o espectador. “Um amigo estava me falando sobre a arte consolar os miseráveis e tornar miseráveis os conformados. E eu sinto muito isso, eu acho que a arte serve para chacoalhar, movimentar, provocar e alterar”.

De acordo com Laís, produzir e consumir arte têm efeitos diferentes. “Em Letras eu tomei esse lugar de consumir. Eu sinto que produzir arte é importante para espirrar, enquanto consumir é inspirar”. 

Para a artista, seu primeiro trabalho solo foi importante para compreender sua expressão artística e sua forma de apreender a realidade. “Eu estava tentando me entender e me reconhecer como artista. Então falava mais sobre a minha experiência pessoal e de como eu me vejo no mundo. Agora que eu já soltei essa agonia, me sinto mais livre para falar de outra coisa”. 

A artista disse que pretende realizar trabalhos de cunho social. “Essa primeira montagem passou pela minha experiência de ter vindo do interior e sentir a pressão de sair desse lugar. Agora me sinto mais aberta, percebo mais como sou e consigo olhar para outras coisas com mais perspicácia. Penso agora em fazer um negócio mais social, quero falar sobre outras mulheres”.

As produções da artista são divulgadas no Instagram @laismazzucco.


Camila Borges

Desde os 14 anos escreve para jornais do interior de Santa Catarina. É técnica em Informática para Internet, tem passagem pelo Curso de Letras Português e atualmente cursa a quarta fase de Jornalismo na UFSC.

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