Parede branca

Conto por Jéssica Schmitt

Ilustração por Guilherme Monteiro.

Eu odeio ficar encarando a parede branca do consultório do meu analista. Parece que a agonia e toda a pressão de ter que falar sobre meus problemas cai sobre mim, e ao olhar para ela tudo fica mais explícito. 

“Como passou a semana?”

“Bem”, respondo ainda pensando na parede branca.

A parede parece estar mais branca, diferente de antes. Será que a pintaram ou eu só não estou mais acostumada com o divã?

“Nada de novo aconteceu nessa semana?”, ele insiste.

Não posso gastar meu dinheiro para ficar pensando na cor da parede. Descruzo os braços, respiro fundo:

“Tenho pensado na morte.”

Silêncio.

“Hm”, solta arrumando-se na poltrona. “E o que você pensou?” 

“A maioria das pessoas têm medo dela. Acredito que por pensarem que ela vai tirar algo, que vai deixar você sem as coisas que você ama e sem saber exatamente o que vem pela frente”, digo, agora olhando para o ar condicionado fixado na parede branca.

“Sim. É normal…”

“Sim.” Faço uma pausa. “Por muito tempo pensei que fosse o meu caso também. Não que eu não tenha medo ou que eu tenha as respostas sobre. Mas não acho que haja algo que ela possa tirar de mim.”

Silêncio. 

A parede branca parece mais branca.

“Como assim?”

“A parede foi pintada recentemente?”

“Não”, ele responde com um suspiro. “Não foi”

Silêncio. 

“Tenho pensado em como não tenho muitas coisas nas quais me apegar. Acho que é exatamente por isso que não me importo mais com a morte.”

“Como assim?”

“Não sei. Vivo com uma sensação de derrota”, respondo olhando para a parede. “Tenho muitas coisas em minha vida, é verdade, mas não consigo ser feliz.”

“E você já foi feliz?”

“Provavelmente sim. Quero dizer, sim, na infância. Mas não lembro dessa parte da minha vida.” Solto uma risada tímida. “O que chega a ser engraçado. Justamente a época em que eu fui feliz é a que eu não tenho lembranças para guardar. Nem que fosse para viver de nostalgia.”

Silêncio. 

A parede fica ainda mais branca.

Retomo de onde parei.

“Parece, às vezes, que alguns nascem sem funcionar direito, meio quebrados… Ou então, eu que não funciono muito bem.”

“Você já pensou em uma saída para isso?”, ele pergunta, como se quisesse tirar uma confissão de mim. 

Não ouso responder.

O silêncio permanece na sala durante alguns minutos.

Tento encontrar as palavras certas para falar, mas não consigo. 

A agonia cresce, porque eu quero falar. Melhor, eu quero gritar e chorar no meio da sessão, igual uma criança. Mas meu corpo continua estático, nenhuma lágrima cai dos meus olhos e nenhum som sai da minha boca. Por quê? 

“Bom, acho que ficamos por aqui então…”

Mas eu continuo deitada no divã, encarando a parede branca.


Jéssica Schmitt

Estudante de Jornalismo na UFSC. Meus gostos variam entre literatura nacional, cinema e esoterismo.

Guilherme Monteiro

Estudante de Museologia pela UFSC e ilustrador freelancer.

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