Letícia Barros
Texto produzido na disciplina de Jornalismo e Cultura Brasileira, sob a orientação da professora Thalita Neves.

Gilberto Gil foi a razão por que cerca de 40 mil pessoas se deslocaram ao Allianz Parque, na capital paulista, em 26 de abril. Eu tive o prazer de ser uma delas. O show foi o último dia da sua passagem em São Paulo com a turnê Tempo Rei, que leva título de sua canção e promete ser a final da sua carreira.
Aos 82 anos, o cantor se despede dos palcos maiores, com a intenção de permanecer nos menores. A idade, no entanto, não reduz nem um pouco seu talento e a qualidade do show, que se provou envolvente do começo ao fim. Ela também não condiz completamente com a idade da plateia, pois estavam presentes pessoas de várias faixas etárias, inclusive crianças.
Se essa turnê fosse 10 anos atrás eu faria parte dessa faixa, pois também fui influenciada pelo meu pai a ouvir o artista desde nova. Cresci com ele contando sobre a vez em que foi ver Gil e, durante a melodia, entre os “fora daqui” da canção “Palco”, o cantor anunciava nomes de políticos da época que ele queria fora daquelas posições. Desde então, quando ouço a música, penso nos nomes que eu diria se estivesse ali.
Mesmo que nesse show, ao cantar “Palco” — a música que abriu a noite —, o baiano não tenha dito quais seriam os escolhidos da vez, a performance não deixou de ser política. Chico Buarque prestou homenagem em vídeo para seu amigo antes de “Cálice” e explicou o processo de cocriação da música por eles na ditadura militar. Nessa hora, o público toma voz, com gritos de “sem anistia”, e mal dá mais pra escutar Chico. Durante a música, aparecem nos telões imagens de pessoas assassinadas pelos militares, como o deputado Rubens Paiva, além de fotos da dupla Caetano e Gil no período. Ao falar dos telões, é impossível não destacar a presença que o design gráfico, incluído também em uma grande estrutura em espiral de LED acima do palco, tomou no espetáculo. Ele parecia um personagem à parte, as cores vibrantes traziam uma atmosfera diferente a cada canção, por vez carregando fotos do cantor, da sua família e amigos, por outras as letras das músicas. O cenário foi responsabilidade da direção artística de Rafael Dragard, da cenografia de Daniela Thomas e do estúdio Radiográfico, liderado por Olivia Ferreira e Pedro Garavaglia.

Durante “Se eu quiser falar com Deus”, o palco se torna intimista, as principais luzes são apagadas e toda a banda sai do palco, como Gil diz na própria canção “Se eu quiser falar com Deus / Tenho que ficar a sós / Tenho que apagar a luz”.
Um ponto alto da noite diz respeito ao comportamento da plateia: pude enxergar muito bem o palco e não um mar de celulares. Claro, vi diversas pessoas filmando momentos da noite, mas não o show todo, o que fez parecer que elas realmente estavam presentes e sentindo o momento. Vi diversos casais dançando ao forró de “Eu só quero um xodó” e outras melodias.
Para dividir o palco com a sua família, Gil contou com convidados especiais durante todos os dias da turnê, como seu parceiro de longa data Caetano Veloso no Rio de Janeiro e Mc Hariel, com quem lançou uma música no ano passado, no primeiro dia dos shows de São Paulo.
No dia 26 esteve presente Nando Reis. Ele cantou “A gente precisa ver o luar”, e marcou o momento favorito da minha mãe na noite. A canção foi uma das quase 30 que o artista estrelou nas duas horas e meia de espetáculo. Porém, nem Nando, nem Chico passaram perto da empolgação do público com a participação de Preta Gil. A filha de Gil emocionou a plateia ao cantar “Drão”, música que o cantor fez em homenagem a Sandra Gadelha, sua ex-mulher e mãe de Preta, que estava presente. A cantora, que vem passando por um problema de saúde delicado, foi ovacionada pelo público que chamava seu nome. Foi o momento de maior emoção da noite, que abalou Sandra e o próprio Gil.

Além disso, Preta não foi a única da família Gil a marcar presença. A banda de 15 pessoas é composta de diversos parentes do cantor, como os netos Francisco e João e o filho mais novo, José. Juntos, os três criaram a banda Gilsons, cujo nome faz homenagem ao patriarca. Um dos meus momentos favoritos foi o solo de baixo de João Gil durante “Back in Bahia”.
Dividir esse dia com a minha família, assim como Gil dividiu com a dele, foi muito especial. Dancei e senti cada música no coração, muito grata por estar presente na última turnê de um dos maiores nomes do MPB. O compositor tem uma aura de sabedoria e simpatia desde jovem e fez com que essa noite ficasse na memória de muitos.
Gilberto Gil volta aos palcos no Rio de Janeiro em 31 de maio, passando por várias capitais brasileiras e finalizando em Recife em 23 de novembro.
Essas foram as músicas apresentadas na noite de 26 de abril em São Paulo:
1. Palco (Gilberto Gil, 1980)
2. Banda um (Gilberto Gil, 1982)
3. Tempo rei (Gilberto Gil, 1984)
4. Eu só quero um xodó (Dominguinhos e Anastácia, 1973)
5. Eu vim da Bahia (Gilberto Gil, 1965)
6. Procissão (Gilberto Gil e Edy Star, 1965)
7. Domingo no parque (Gilberto Gil, 1967)
8. Cálice (Gilberto Gil e Chico Buarque, 1973)
9. Back in Bahia (Gilberto Gil, 1972)
10. Refazenda (Gilberto Gil, 1975)
11. Refavela (Gilberto Gil, 1977)
12. Não chore mais / No woman no cry (Vincent Ford, 1974, versão português de Gilberto Gil, 1979)
13. Extra (Gilberto Gil, 1983)
14. Vamos fugir (Gilberto Gil e Liminha, 1984)
15. A novidade (Herbert Vianna, Bi Ribeiro, João Barone e Gilberto Gil, 1986)
16. Realce (Gilberto Gil, 1979)
17. A gente precisa ver o luar (Gilberto Gil, 1981) — com Nando Reis
18. Punk da periferia (Gilberto Gil, 1983)
19. Extra II — O rock do segurança (Gilberto Gil, 1984)
20. Se eu quiser falar com Deus (Gilberto Gil, 1980)
21. Drão (Gilberto Gil, 1982) — com Preta Gil
22. Estrela (Gilberto Gil, 1981)
23. Esotérico (Gilberto Gil, 1976)
24. Expresso 2222 (Gilberto Gil, 1972)
25. Andar com fé (Gilberto Gil, 1982)
26. Emoriô (João Donato e Gilberto Gil, 1975)
27. Esperando na janela (Targino Gondim, Manuca Almeida e Raimundinho do Acordeon, 2000)
28. Aquele abraço (Gilberto Gil, 1969)
29. Toda menina baiana (Gilberto Gil, 1979)
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