Êta Mundo Pior: continuação de novela parece odiar sua antecessora

Sequência de “Êta Mundo Bom” mata três protagonistas da original, traz de volta um vilão morto e recicla diversas tramas

Marcelo Pedrozo

Elenco de Êta Mundo Melhor em imagem promocional. (Foto: Reprodução/Fábio Rocha)

Estreou ontem na TV Globo a nova novela das seis: Êta Mundo Melhor, criada por Walcyr Carrasco e Mauro Wilson. Mas de “nova” essa novela não tem nada. Se não bastasse ser uma continuação de Êta Mundo Bom (2016), também de Walcyr Carrasco, a trama ainda é composta de uma reciclagem de vários enredos da original. Um remake se fingindo de sequência.

Em 2016, o público acompanhou a saga de Candinho (Sérgio Guizé) em busca da mãe Anastácia (Eliane Giardini), com a ajuda de Pancrácio (Marco Nanini), professor de Filosofia que aplicava golpes com seus disfarces, e do garoto Pirulito (JP Rufino). O par romântico do personagem era Filó (Débora Nascimento), mocinha que ficou apagada na história.

Pirulito, Pancrácio e Candinho, acompanhados do burro Policarpo, em Êta Mundo Bom. (Foto: Reprodução/Estevam Avellar)

Quem assumiu o protagonismo feminino foi Maria (Bianca Bin), que trabalhava na casa de Anastácia e enfrentou a vilã Sandra (Flávia Alessandra), sobrinha da ricaça que queria impedir o encontro de Anastácia e Candinho para ficar com a herança da tia. No começo, Sandra tinha o apoio do irmão Celso (Rainer Cadete), mas ele se redime ao se apaixonar por Maria.

Sandra, Anastácia, Celso, Pirulito e Candinho, na novela original. (Foto: Reprodução/Isabella Pinheiro)

Já Sandra se apaixona por Ernesto (Eriberto Leão), que também mantinha um relacionamento abusivo com Filó, manipulando a mocinha. Ao final da história, Candinho e Filó viram pais, mas Sandra e Ernesto sequestram mãe e bebê. Na fuga, Ernesto morre e Sandra é presa, e Candinho e Filó se casam e vivem felizes…

Tudo termina bem quando acaba bem… (Foto: Reprodução/Ellen Soares)

Mas não para sempre. Porque a era dos reboots, remakes e sequências atingiu também as novelas e, em 2024, a Globo decidiu encomendar uma continuação de Êta Mundo Bom, inspirada no sucesso de No Rancho Fundo (2024), de Mário Teixeira. No Rancho Fundo resgatou alguns personagens e elementos de Mar do Sertão (2022–2023), novela anterior do autor. Algo parecido havia acontecido em Nos Tempos do Imperador (2021–2022), que contava a história de Dom Pedro II e trazia de volta personagens de Novo Mundo (2017), focada em Pedro I. Agora, a emissora levou a ideia ao próximo nível, com uma continuação direta que já deixa explícita sua natureza no nome: Êta Mundo Melhor.

A criatividade já começa no título. (Imagem: Reprodução/Globo)

Essa estratégia tem outros precedentes, como Verdades Secretas II (2021), que continuava a história de Verdades Secretas (2015), ambas do autor Walcyr Carrasco, ou a série As Five (2020–2024), que trazia de volta as protagonistas de Malhação: Viva a Diferença (2017–2018). Mas, em ambos os casos, as sequências foram produzidas diretamente para a plataforma de streaming Globoplay. Essa é a primeira vez em que a Globo produz uma continuação tão explícita para a TV aberta.

No cinema e na televisão, obras derivadas geralmente são produzidas com um único objetivo: fazer dinheiro fácil, contando com o apego do público à original. Não que obras completamente novas não tenham razões monetárias por trás de sua produção, já que filmes, séries e novelas têm alto custo de produção e sempre ganham vida com o objetivo de fazer lucro. Mas é difícil negar a visível mesquinhez desse tipo de história em específico, porque exemplos não faltam de sequências e remakes que não se dão ao trabalho de pensar em ganchos interessantes por saberem que podem contar com a nostalgia do público.

Ainda assim, eu, como espectador, tento manter o coração aberto. Não acredito que nenhuma obra deva ser considerada intocável. Se alguém tem uma boa ideia de continuação, por que não experimentá-la? A ideia de Êta Mundo Melhor surgiu porque a Globo queria dinheiro, mas talvez Walcyr Carrasco tenha tido uma ideia interessante pela qual estava apaixonado. O problema é que não parece ser o caso, até porque o autor só vai ficar por 30 capítulos, e depois a história fica a cargo de Mauro Wilson.

Na estreia, exibida ontem (30), a primeira cena mostra Candinho — que, lembremos, havia terminado feliz com Filó e seu filho — sendo acordado no meio da noite e descobrindo que seu bebê sumiu. Ele encontra Ernesto sequestrando a criança e tem um choque, afinal, Ernesto morreu em um acidente no final de Êta Mundo Bom. O vilão só diz que ficou um tempo no hospital e está “mais vivo do que nunca”.

A volta dos que (não) foram. (Foto: Reprodução/Globo)

Para completar, Ernesto ainda anuncia que Filó fugiu para ficar com ele, o homem que a maltratou e sequestrou na novela passada.

Como resistir a esse charme? (Foto: Reprodução/Globo)

Ernesto foge com o bebê e vai até a casa onde Filó o estaria esperando. (A propósito, que plano mixuruca, não era mais fácil Filó ter pegado o filho ela mesma?) Chegando lá, ele vê que a casa está pegando fogo, pergunta por Filó e uma aleatória responde que a moça que estava ali não sobreviveu. Ernesto continua a fugir, logo depois Candinho vem e descobre a mesma coisa. E agora o protagonista, não muito abalado, só espera que seu ex-grande amor esteja no céu, “apesar de seus pecados”.

Pobre de Débora Nascimento, que recusou um papel porque achava que voltaria como Filó, mas sua personagem morreu queimada logo de cara e ela nem precisou aparecer. (Foto: Reprodução/Beatriz Damy)

Não é possível que isso tenha sido escrito seriamente. Entendo que o casal Candinho e Filó provavelmente não resistiria a uma continuação, já que a personagem foi mal recebida na antecessora, mas por que transformá-la em vilã e colocá-la para fugir com o homem com quem viveu um relacionamento abusivo e por quem havia sido sequestrada? Homem esse que, aliás, estava morto? Não faz o mínimo sentido. Não parece ser a ideia de alguém que gostava da original e tinha uma boa ideia para continuá-la. Parece ser a ideia de alguém que não liga para o que está escrevendo e só o faz porque a Globo mandou.

O primeiro capítulo ainda parece vazio porque só quem está ao lado de Candinho é seu primo Celso. Sua mãe Anastácia, seu padrasto Pancrácio e seu irmão adotivo Pirulito nem souberam de nada, nem foram mencionados. Anastácia morrerá sem aparecer no segundo episódio e deixará sua herança para o filho, revoltando o sobrinho Celso, que voltará a se aliar à irmã Sandra para roubar a fortuna da tia, mesmo com sua redenção na trama original.

Sandra, por sua vez, fará apenas uma participação especial. (Foto: Reprodução/Léo Rosario)

A esposa de Celso, Maria, morrerá ao procurar o bebê de Candinho; sua intérprete, Bianca Bin, aceitou voltar apenas em uma participação rápida. Depois, Celso se envolverá com a enfermeira Estela (Larissa Manoela), que o ajudará a se redimir novamente.

Estela cuida de sua irmã pequena, que parece se tratar, na verdade, de sua filha, uma história parecida com a de Maria na original, que sofria preconceito por ter engravidado fora do casamento. A “nova” trama de Celso é um dos maiores exemplos da falta de criatividade da novela, que anula os finais da original para refazer os mesmos arcos narrativos.

Larissa Manoela como Estela, a Maria 2.0. (Foto: Reprodução/Manoella Mello)

Os companheiros de Candinho, professor Pancrácio e o garoto Pirulito, não voltarão, mas não se preocupem: o protagonista agora terá como aliados o professor Asdrúbal (Luís Miranda), que, assim como Pancrácio, também se disfarça para aplicar golpes, e Picolé (Isaac Amendoim), parente de Pirulito. Parece piada, mas não é.

Ao menos Isaac Amendoim já provou seu carisma como Chico Bento nos cinemas. (Foto: Reprodução/Fabio Rocha)

Há ainda o núcleo da família de Filó na roça. Na original, sua irmã Mafalda (Camila Queiroz) teve de escolher entre o picareta Romeu (Klebber Toledo) e o simples Zé dos Porcos (Anderson Di Rizzi). O público torcia por Romeu, mas a personagem acabou se casando com Zé. Agora, na sequência, Zé dos Porcos achará uma carta de Mafalda informando que fugiu com Romeu, já que a atriz Camila Queiroz não aceitou voltar. Bom para ela.

Na original, Mafalda passou meses tentando decidir entre Zé dos Porcos e Romeu. Mas sua escolha final não importou, porque, no começo da nova novela, ela terá fugido com o outro. (Foto: Reprodução/Caiuá Franco)

Já a mãe de Mafalda e Filó, Cunegundes (Elizabeth Savalla), vai ganhar uma nova rival. Ela brigava com a cunhada, Eponina (Rosi Campos), em 2016, mas a atriz está no SBT e a personagem vai ter se mudado. A solução dos autores? Uma nova cunhada para Cunegundes, Medéia (Betty Gofman). Não é possível que a criatividade esteja tão em falta assim.

E, nas redes sociais, parte do público ainda culpa os atores pela história conturbada da sequência, em especial Bianca Bin, intérprete de Maria. A atriz, que vai participar das duas primeiras semanas antes de a personagem morrer, vem sendo chamada de “preguiçosa”. Bem, talvez até seja, mas acho absurdo colocar nela a responsabilidade do roteiro ruim. Bin aceitou o papel para uma novela em 2016, quando ainda não havia a possibilidade de uma sequência, e cumpriu todo o combinado. A história de Maria estava fechada. Agora, só porque a Globo quer mais dinheiro, ela é obrigada a voltar? Já fez mais do que precisava concordando com uma participação especial.

Maria morrerá atropelada na segunda semana de Êta Mundo Melhor. (Foto: Reprodução/Fábio Rocha)

Ao despachar metade do elenco protagonista original sem qualquer cerimônia, mostrar que os supostos finais felizes não duraram nada e reciclar diversas tramas da antecessora, Êta Mundo Melhor mostra que não está interessada em contar boas histórias. É uma sequência que só quer trazer de volta o público de 2016 para garantir bons índices de audiência. Resta saber se esse público vai gostar de perceber que o final original foi jogado no lixo.

Para não ser totalmente negativo, a nova novela tem seus elementos promissores. O núcleo do orfanato comandado pela abusiva Zulma (Heloísa Périssé), onde vai ficar o filho de Candinho, parece interessante, e o destaque para Jennifer Nascimento vem em boa hora. A atriz interpretava Dita na original, sobrinha de Manoela (Dhu Moraes). As duas eram empregadas de Cunegundes e extremamente maltratadas pela patroa. Dita enfrentou seu preconceito para se casar com Quincas (Miguel Rômulo), filho de Cunegundes.

Jennifer Nascimento foi elevada a protagonista na nova novela. (Foto: Reprodução/Globo)

Na nova história, o casamento de Dita e Quincas está com os dias contados, mas, ao menos nesse caso, o fim não será tão abrupto. Dita se irritará com as traições de Quincas e o deixará, mas ambos os personagens continuam na trama, com novas histórias. Dita e Manoela se mudarão para São Paulo, onde Dita reencontrará Candinho e viverá um romance com ele, tornando-se a nova protagonista. Que não se repita com ela o que aconteceu com Filó. E que Manoela permaneça longe dos maltratos de Cunegundes, porque Dhu Moraes parece estar há 25 anos interpretando Tia Nastácia e já está na hora de brilhar em um papel que não seja de empregada doméstica.


Marcelo Pedrozo

Estudante de Jornalismo da UFSC e apaixonado por histórias. Escrevendo um livro como forma de terapia. Editor-chefe do Caderno Cultural Expressões.

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