“O Despertar da Primavera”: clássico da modernidade explora conflitos da juventude

Montagem com discentes de Artes Cênicas da UFSC resgatou força e ousadia do texto original

Camila Miranda

Montagem da peça de 1890 foi apresentada no Maçã deste ano. (Foto: Sthefany Mie Takahassi)

No dia 19 de março, o grupo Os Melodramáticos, composto por discentes de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), trouxe ao palco da Caixa Preta no Bloco D do Centro de Comunicação e Expressão (CCE) uma adaptação corajosa e sensível de O Despertar da Primavera, de Frank Wedekind, escrita em 1890. Sob a direção do docente Luiz Fernando Pereira (LF), a montagem se destacou não apenas pela atualidade de seu tema, mas também pela ousadia na experimentação cênica, alinhada ao projeto de pesquisa que busca aprimorar o uso do espaço teatral. A peça conta a história de adolescentes vivendo sob o autoritarismo e a repressão dos adultos através da religião, da família e da escola, enfrentando a aceitação e a confusão em torno de seus desejos sexuais emergentes, enquanto são cerceados em liberdade de livre pensar, perseguidos e aterrorizadas por dogmas, falso moralismo e hipocrisia.

A opção pela ausência de coxias na apresentação, deixando os atores sempre visíveis, gerou uma sensação de constante exposição e tensão. Esse formato exigiu dos intérpretes um nível elevado de concentração e presença cênica, desafio que foi assumido com competência pelo elenco. 

Dentre as atuações, destacam-se os alunos do curso Gabriel Dias (Moritz Stiefel) e João Leffa (Melchior Gabor), que conseguiram transitar com intensidade entre a fragilidade e a rebeldia de seus personagens. Em entrevista com os atores, ambos comentaram sobre uma “gafe” ocorrida na performance. Em vez de Moritz falar “são somente 60 vagas”, referindo-se à quantidade de alunos que seriam aprovados para o próximo ano da turma, ele falou que seriam 70. Mas, graças ao profissionalismo de todo o elenco, todas as próximas falas relacionadas a esse assunto foram modificadas propositalmente para manter a coesão cênica, deixando, assim, o erro imperceptível para o público.

Nesse contexto, Maria Clara Vieira (Wendla Bergmann) trouxe à cena uma delicadeza que contrastou com a brutalidade dos acontecimentos vividos por sua personagem. Laís Calderan, Vitória Lima e Edélcio Mostaço, professor de Artes Cênicas da Universidade Estadual de Santa Catarina (Udesc), destacam-se com suas atuações e desempenhos únicos. Mesmo possuindo papéis considerados pequenos em meio à grandiosidade da peça — com o último ator participando somente como voz off —, deixaram seus personagens e participações marcantes. Os demais atores e discentes de Artes Cênicas da UFSC, Daniele Nass, João Felipe e Lucas Brisot, se sobressaíram graças à versatilidade. Cada um interpretou dois papéis na peça, e todos transmitiram histórias, personalidades e trejeitos completamente diferentes. O elenco demonstrou química e comprometimento, conferindo autenticidade às angústias e descobertas juvenis apresentadas na peça.

A direção de arte de LF soube equilibrar uma ambientação atemporal ao misturar elementos simbólicos que remetiam ao rigor opressor da sociedade retratada com momentos e figurinos mundanos atuais. A iluminação de Daniele Nass, operada por Luz Cidade, contribuiu para a atmosfera densa e melancólica do espetáculo, acentuando momentos de tensão e lirismo. A paisagem sonora de Ryan Dassoler pontuou os sentimentos conflitantes dos personagens, intensificando a carga emocional das cenas. 

A peça original do século XIX foi censurada por anos ao abordar temas considerados polêmicos, como descobertas sexuais na juventude, relacionamentos homoafetivos, estupro e aborto. A obra continua sendo extremamente relevante na atualidade, na qual esses assuntos ainda são vistos como tabus. Além de saber evidenciá-los com avidez, o grupo confronta o público com essas questões. A montagem resgata a força do texto original e reafirma os perigos da repressão e da intolerância.

Em um mundo onde jovens ainda enfrentam tabus e pressões semelhantes, Os Melodramáticos entregaram um espetáculo que, além de teatralmente bem construído, é socialmente necessário. Uma experiência intensa e comovente, que convida à reflexão e ao diálogo.

Diretor e elenco são aplaudidos após apresentação. (Foto: Sthefany Mie Takahassi)

Crítica produzida na disciplina de Crítica em Artes Cênicas, sob a orientação da professora Dirce Waltrick do Amarante.


Camila Miranda

Se eu fosse um animal seria um ornitorrinco, gosto de ler e de escrever (embora procrastine para fazer ambos) e estou cursando Artes Cênicas na UFSC, então me considero como uma “aspirante a atriz amadora”.

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