
Celebrado com muita cerveja, música e tons de verde (às vezes, tudo misturado), o St. Patrick’s Day é uma festa que ultrapassou as fronteiras da Irlanda e ganhou o mundo. Na região metropolitana de Florianópolis, o município de Palhoça não fica de fora da folia. A celebração, maior do que na própria capital, é repleta de símbolos que vêm do rico e criativo folclore irlandês, bastante influenciado pela antiga cultura celta.
Realizado anualmente no Passeio Pedra Branca, o St. Patrick’s Day de Palhoça se consolidou como um dos maiores eventos públicos inspirados na cultura irlandesa no Sul do Brasil. Há dois meses, tive a oportunidade de acompanhar de perto o festival, que ocorreu nos dias 15 e 16 de março, desde a manhã até o final da noite. Relembro agora a experiência neste ensaio para o Caderno Cultural Expressões.
A entrada era gratuita e a estrutura do evento contou com cervejarias artesanais, food trucks, palcos com bandas tocando músicas típicas celtas e irlandesas, área kids e apresentações artísticas. O evento foi organizado de maneira profissional, com forte presença de patrocinadores, produção cultural e suporte logístico, fazendo dele não apenas uma festa, mas um equipamento cultural de impacto regional.
Origem e expansão da celebração
O Dia de São Patrício é comemorado anualmente em 17 de março e homenageia São Patrício, padroeiro da Irlanda, que morreu nesta mesma data em 461 d.C. Originalmente, era uma celebração religiosa restrita à ilha, mas, a partir de 1903, se tornou um feriado público oficial no país. Neste dia, as pessoas vestem trajes verdes e saem às ruas para festejar, com desfiles animados, apresentações musicais e muita euforia. Comidas e bebidas também ganham cores verdes, em homenagem ao santo e aos símbolos nacionais.
A transformação da data em um grande festival laico ocorreu no século 20, impulsionada sobretudo pela diáspora irlandesa, especialmente nos Estados Unidos. Já na década de 1990, o governo da República da Irlanda passou a investir na internacionalização da festa como forma de promover a cultura e os talentos do país no cenário global.
No Brasil, a celebração ganhou popularidade principalmente a partir dos anos 2000, com a influência da cultura pop, da globalização e do mercado de pubs e bares das grandes cidades. Hoje, o St. Patrick’s Day brasileiro mescla referências tradicionais e adaptações locais — como a cerveja verde e as comidas típicas tingidas artificialmente.
Por que a cor verde?
Inicialmente, o verde não era relacionado com a celebração; na verdade, o azul era mais associado a São Patrício. No entanto, a partir do século 17, fitas verdes e o trevo de três folhas — supostamente usado pelo santo para explicar a Santíssima Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo) aos celtas pagãos — passaram a se popularizar entre os festejos.
A identificação definitiva do verde com o St. Patrick’s Day ocorreu após a Rebelião Irlandesa de 1798, quando os soldados nacionalistas usaram uniformes verdes no dia do feriado como símbolo de sua luta contra o domínio britânico. A expressão irlandesa “the wearing of the green” (vestir o verde) remete a esse contexto histórico.
A cor também se liga a uma figura do folclore celta: o Leprechaun, um pequeno duende ruivo vestido de verde, com seu chapéu e sapatos de fivela. A partir do século 19, ele foi incorporado à mitologia da data como uma criatura de sorte e travessura, reforçando o tom lúdico da festa.

Uma experiência cultural em Palhoça
A experiência no evento vai além do entretenimento. Como observadora, caminhar pelas ruas tomadas de verde no bairro Pedra Branca foi um exercício de percepção dos códigos culturais que circulam no espaço. Famílias inteiras, crianças e idosos, todos vestidos a caráter ou fantasiados de Leprechaun, misturavam-se em um cenário onde a cerveja, o pastel, o hambúrguer e até a casquinha do sorvete eram da cor verde.
Mais do que uma celebração importada, o St. Patrick’s Day de Palhoça se apresenta como um espaço de produção cultural e de identidade urbana. O bairro, conhecido pelo urbanismo planejado e pela vocação para eventos culturais, assume aqui o papel de “palco coletivo”, onde o espaço urbano se torna central para experiências coletivas que mesclam lazer, consumo e pertencimento. Apesar de seu perfil elitizado, a Pedra Branca democratizou o acesso ao festival, ao menos em termos de presença popular. Mesmo quem não consumia nos food trucks podia circular, dançar e apreciar a programação cultural gratuitamente.
Um aspecto que chamou a atenção foi o conhecimento do público sobre a cultura irlandesa. Através da observação, percebi que muitos demonstravam familiaridade com as danças típicas e com a história do santo padroeiro. Em uma cidade relativamente jovem como Palhoça, é muito interessante a forma como essa apropriação cultural cresceu e se desenvolveu.

Identidades culturais pelo país
Comparar o St. Patrick’s Day de Palhoça a outras celebrações brasileiras ajuda a entender como culturas diversas são apropriadas e ressignificadas no país. No Rio Grande do Sul, o 20 de setembro, Dia do Gaúcho, também leva multidões “pilchadas” (vestidas de trajes típicos) às ruas para festejar suas raízes. Também em São Lourenço do Sul (RS), município vizinho a minha cidade natal, a Oktoberfest celebra a herança alemã com desfiles de veículos alegóricos e roupas tradicionais, danças e cerveja.
Esses exemplos demonstram que o Brasil é mestre em “carnavalizar” culturas — ou seja, transformar qualquer tradição em festa popular, muitas vezes misturando elementos próprios com os de outros povos, e o St. Patrick’s Day de Palhoça se insere com naturalidade nesse cenário. E mais: mostra como eventos aparentemente secundários ao “calendário oficial” da cultura nacional se misturam ao desejo brasileiro por lazer, folia e experiências cosmopolitas.
No fim das contas, o verde que domina o cenário não representa apenas uma Irlanda estilizada. Representa também o desejo de fazer parte de uma cultura globalizada, de viver a cidade como palco de encontros, performances e pertencimentos, onde o lazer se transforma na expressão da própria identidade.
Ensaio produzido na disciplina de Jornalismo e Cultura Brasileira, sob a orientação da professora Thalita Neves.
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