Pálido e sem inspiração, “Wicked” é conjunto das piores tendências do cinema atual

Longa que conquistou a quarta maior bilheteria de 2024 tem como único mérito seu marketing

Ana Muniz

Wicked foi dirigido por Jon M. Chu, que assinou a direção de obras como Crazy Rich Asians e In the Heights. (Foto: Sky Studios/Marc Platt Productions)

Em 1939, O Mágico de Oz chegou aos cinemas com lindos cenários pintados, cores vibrantes e figurinos encantadores. Até hoje, o filme é considerado uma referência, com técnicas inovadoras para o audiovisual na época do lançamento. Em 2024, o mundo de Oz com suas bruxas, animais falantes e munchkins voltou às telas com Wicked. Porém, diferente de seu “antecessor”, o longa mostrou que é apenas mais um blockbuster hollywoodiano desta década: arrastado, feio e desinteressado em cinema. 

Wicked faz parte de uma epidemia de filmes que resultam de uma franquia já existente: é a adaptação da adaptação da adaptação. Seu enredo é proveniente de uma peça homônima da Broadway. Essa, por sua vez, é uma releitura de um livro também de mesmo nome. No romance, a famosa trama de O Mágico de Oz é reinterpretada e contada com foco nas bruxas Elphaba e Glinda, mostrando suas “histórias de origem”. 

Como uma espectadora que não tinha familiaridade com o musical, terminei as longuíssimas duas horas e 40 minutos de filme confusa. Várias cenas e personagens sobravam, não tinham razão de ser. Então, um amigo soltou a bomba: esse era apenas o primeiro de dois longas que adaptam o musical. Ou seja, a história a que tínhamos acabado de assistir não tinha fechamento. A sequência, Wicked: For Good, será lançada em novembro e teve seu primeiro trailer lançado hoje. Para mim, ainda é estranho ver uma lógica de série aplicada a um filme — nunca me esqueço de meu choque com o “final” de Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (lançado em 2023 e cuja sequência direta sairá apenas em 2027).

Após essa revelação, tive mais um momento de confusão: quanto tempo tinha o musical? Cinco horas de duração? Não, ele se estende por cerca de duas horas e meia. Isso foge da minha compreensão. Como um filme que adapta apenas o primeiro ato consegue durar mais que a peça por completo? Ainda mais contando com tão poucos acontecimentos. Não à toa, o longa parece não acabar nunca. A cena final, a qual antecede “Defying Gravity”, uma das canções mais emblemáticas, se arrasta de um jeito que beira o insuportável. Ouvi várias justificativas injustificáveis de fãs. “O filme precisou adicionar falas”. Ele precisou? Por quê? Se a mesma história foi contada antes com menos diálogos e todo mundo entendeu, não vejo como isso se tornou uma necessidade incontornável. É outra moda chata: a necessidade de falar tudo, até o que não precisa.

Se o filme tivesse cenas arrastadas e um pseudo-final, mas compensasse com outras virtudes, não seria tão ruim assim. Afinal, citei anteriormente Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, que não conseguiu amarrar sua trama, mas tem uma estética e direção de tirar o fôlego. Wicked, contudo, não conseguiu pegar absolutamente nada presente na peça para apresentar de modo que aproveitasse as possibilidades do cinema. Apesar de promover tanto seus sets físicos e cenários customizados, nada disso ficou legal no filme. Os problemas de contraste e iluminação são graves durante várias sequências. E as cores, tão importantes para a franquia, estão pálidas, apagadas. Até a Ariana Grande parece estar anêmica, coitada. É no mínimo irônico como, em 1939, com todas as limitações técnicas da época, a terra de Oz estava muito mais colorida e mágica.

Em entrevista para “The Globe and Mail”, o diretor do filme afirma que a intenção por trás da baixa saturação foi trazer mais “realismo” à terra de Oz, onde habitam bruxas verdes e animais que falam. (Foto: Sky Studios/Marc Platt Productions)

Qual foi a grande aposta, então? Apelar para a nostalgia, o fanservice e, claro, o marketing. Isso transparece até mesmo no filme em si. É evidente principalmente na aparição das duas atrizes que protagonizaram o primeiro elenco da Broadway de Wicked (Idina Menzel e Kristin Chenoweth) em uma cena capenga que só faz sentido para quem é fã da peça. Mas a estratégia deu certo. Junto a títulos como Divertida Mente 2 e Meu Malvado Favorito 4, o longa foi uma das maiores bilheterias do ano. Vários fãs provenientes da Broadway e da literatura foram para mais de uma sessão. Foi impossível escapar dos covers, conspirações e fofocas em torno da obra nas redes sociais. Como uma admiradora de cinema, não consigo deixar de ficar desanimada. Resta torcer para que, de algum modo, essa tendência de adaptações e sequências desinteressantes perca o hype, pelo menos até o fim da década. Se os filmes de herois da Marvel já não são a febre que um dia foram, tenho um fio de esperança.


Ana Muniz

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), amante das artes e mãe de gato.

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