
Como um bom jornalista em formação, mais um dia o objetivo era correr atrás de uma pauta. O foco eram os sebos. Depois de andar a tarde inteira, no último em que entrei, o dono não queria conversar. Disse que estava em uma fase ruim, sem ânimo pra falar comigo. Assustado, depois de falar com tanta gente antes dele, procurei todos os sintomas, mas não achei nada. Nada aparente para uma doença ou algo assim. Inconformado, já que eu queria conversar, falei que ia dar uma volta pela loja, para deixar a ideia amadurecer nele.
Enquanto caminhava, me perdi no meio do caos organizado que eram os livros, CDs e bonequinhos me olhando de cima. Depois de me acostumar ao cheiro de mofo, li as capas dos livros de forma mecânica, isso enquanto divagava sobre a situação do Dono da loja e minha inconformidade. Como assim, o que aconteceu? Por que não queria falar? Será que era só comigo ou com qualquer um que entrasse no sebo? Falar que sou jornalista foi meio invasivo? Nunca ia descobrir.
Continuei até me deparar com uma capa diferenciada, de um livro e título que nunca tinha visto, de um autor totalmente desconhecido e com uma arte que, de cara, parecia brega. Enfim Livre, de um tal de J. J. Benítez. O livro deu um click na cabeça. Fez todo o sentido estar virado de frente para quem passava pelo corredor. Na hora comecei a criar uma história imaginária sobre a tal doença e a situação do solitário Dono do sebo. Na minha história, ele não tinha nome, era o Dono do sebo. Com “d” maiúsculo. Antes mesmo que pudesse pensar direito, logo comecei a investir em um sentimento de empatia por ele.
Andei mais um pouco pelos corredores sufocantes procurando complementos para meu enredo imaginário. Duas prateleiras do lado do livro Livre, a próxima capa que me apareceu me diz Para curar-se da tristeza e da perda. Pronto, a partir daí eu já tinha uma história. Só precisava descobrir quem o Dono perdeu, quem deixou ele sozinho e por que ele está tão triste. Quem está, enfim, livre? A euforia tomou conta. Comecei a buscar complementos para minha trágica história nas antigas capas empoeiradas. Logo vi um Querida Mamãe. Obrigado por tudo. Quase chorei.
Correndo a passos curtos, encontrei no corredor ao lado um exemplar de A vida começa assim. Aqui seria o momento de reconstrução e superação do personagem que estava sentado logo na entrada do velho sebo. O próximo passo da minha história foi: Como funciona, uma enciclopédia sobre ciência e técnica. Mas quem se importa? O que funciona para a história são na verdade as cinco fases de um luto!
Meio louco, procurando por títulos que complementariam a história, meu ânimo logo caiu. A próxima capa era Perversinhas do colégio, uma comic que não se encaixaria na narrativa. Não? Talvez. Como uma forma de escape… Quem sabe? Me desiludi. Os livros a partir dali tinham subtítulos, não eram só as capas perfeitas para a história do homem triste no sebo. Acabou pra mim.
Continuei a andar pelos corredores só para dizer que olhei de tudo. Vai que se eu passasse tempo suficiente lá dentro o homem saía da minha cabeça e vinha me procurar. Sobre os títulos, voltei a lê-los de forma mecânica. Me senti tentado a comprar algo, só para justificar o tempo que passei andando. Mas spoiler, não comprei.
Ao finalmente sair da história fantástica e imaginária que construí, fui andando para a saída e tomei coragem para mais uma tentativa forçada. Interagi com o protagonista da minha epifania. Apelando para minha simpatia e meu carisma, perguntei o seu nome. O dono triste, que não queria falar, falou:
— É Marcos.
Só isso. Nem um tchau.
O nome foi difícil de encaixar na minha cabeça, “Marcos” não pareceu certo para mim. Fazer o quê. Enquanto passava pela porta, Marcos, de canto de olho, me disse: “Volte em um mês, talvez eu esteja melhor”. Surpreso, me peguei pensando, o que será isso? Um fruto da minha história e loucura? Bem, quem sabe.
Crônica produzida na disciplina de Linguagem e Texto Jornalístico V, sob a orientação das professoras Tattiana Teixeira e Janaíne Kronbauer.
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