Sthefany Mie Takahassi (entrevista) e Alice Maciel (texto)

Inspirada livremente no clássico O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, a peça O Auto do Injustiçado nasce com a coragem dos que ousam reimaginar o sagrado e o profano, sob uma lente crítica e contemporânea. Estreando no dia 21 de março, durante a XII Mostra Acadêmica de Artes Cênicas (Maçã), a montagem marca não apenas a primeira realização cênica da produtora Mesoilha, como também a estreia de um coletivo que mergulha em temas densos e atemporais com a força de quem carrega mais perguntas do que respostas.
Escrita por Cristian Menna, a dramaturgia evoca dilemas morais, religiosos e sociais com ironia e contundência. A peça convida o público a refletir: em um tempo onde o julgamento é imediato e o perdão rareia, ainda seríamos capazes de reconhecer nossas próprias contradições? Mais que uma crítica, O Auto do Injustiçado oferece uma provocação: será que, diante do perdão divino, estaríamos dispostos a devolver as asas?
O Caderno Cultural Expressões conversou com Cristian sobre os bastidores do processo criativo, as críticas que permeiam a obra, e os dilemas éticos que surgem ao fazer arte em tempos de cancelamento.

CADERNO EXPRESSÕES – É evidente a relevância do cenário na peça, um diferencial quando se trata do tempo atual, onde o palco nu ou com pouco cenário é mais comum. Por que você decidiu produzir um material tão grande como esse?
CRISTIAN – Sim, normalmente costumamos fazer coisas mais simples. Só estava um pouco cansado da sensação de sempre ser sobre um cara de terno e um banco, talvez porque é a única coisa possível de cenário na maioria das vezes. Outro ponto foi tentar encontrar a estética de um palco não minimalista, e isso vem do teatro fantástico, um teatro que inspira nossa imaginação para além. Busquei fazer isso com estímulos, e essa é uma pesquisa que eu quero fazer.
CADERNO EXPRESSÕES – O que mais te incentiva a construir uma produtora teatral?
CRISTIAN – Desde muito tempo tenho vontade de criar uma instituição/empresa para trabalhar arte, quero futuramente trabalhar só com teatro e percebi que, para isso ser minha única fonte de renda, a maneira de fazer isso seria produzindo essas peças. A minha ideia é conectar companhias de teatro, atores, diretores, escritores, como uma espécie de agência.
CADERNO EXPRESSÕES – Como é abordar questões morais, éticas e religiosas em uma peça? Teme ou não a reação do público?
CRISTIAN – Essa é uma questão, a peça vai muito mais para a vertente do cristianismo, e a Igreja Católica tem esse histórico de apontar profanações, portanto tem um lugar meu que pensa nessas questões sim, mas em relação a preocupação com o público, me preocupar por exemplo se o público vai pensar que eu sou um ateu e esquerdista, eu sou mesmo, se acharem isso só vão estar certos! Mas por exemplo, aconteceram questões de acessibilidade e avisos de gatilho e isso é um dilema, o quão um aviso de gatilhos faz você deixar de chocar e impactar com sua arte Por fim, sim, tem que se preocupar com a reação do público, mas nunca deixar de fazer o que você quer.
CADERNO EXPRESSÕES – A peça critica algo? Se sim, que tópico é o mais central e crucial?
CRISTIAN – É, não seria uma arte minha se não tivesse criticando alguma coisa, mas se eu for resumir a uma palavra, eu resumo a perdão, temos um grito que é uma das falas da peça que é “devolvam as asas de Lúcifer estrela da manhã”, ou seja, perdoem, perdoem esse cara. Falo sobre isso porque eu sou de uma geração onde tínhamos um círculo social menor do que de hoje em dia, se eu brigar com um amigo hoje, amanhã eu vou ter que jogar bola com ele, mas hoje, as relações estão mais efêmeras, a exclusão, o isolamento e essa cultura do “cancelamento” é muito mais comum e normal, parece que as pessoas não perdoam com facilidade, a grande crítica seria esse apontar o dedo para os outros e não ver que nós mesmos falhamos e ainda, não entender que falhamos por não ter escolha e portanto, deveríamos aprender a perdoar mais. A linha de ação da peça e dos personagens é o fato que eles pecam, e eles pecam para sobreviver, para conseguirem viver em uma realidade hostil. Por isso a letra que usei na música da peça é: “não tem jeito, vou ter que pecar e na hora da morte, amém”.
CADERNO EXPRESSÕES – Você acredita que a arte moraliza o espectador? Você tem algum tipo de objetivo com o teatro em referência ao espectador?
CRISTIAN – Acredito na ideia da poética aristotélica sobre transformar o público, todos tipos de estímulos vão reverberar em nós conforme aos nossos timbres internos, portanto sim, moralizamos o espectador pela arte ou melhor, pela estética. Sou de uma linha de pensamento que acredita que uma das formas mais eficientes de educar ou influenciar é por meio da estética, pretendo me posicionar politicamente com base nisso também, é sobre convencer através de formas onde o objeto seja perceptível aos olhos, causando um processamento mais rápido da informação. Teatro, arte, estética moralizam sim e penso que é o que mais consegue moralizar.
Entrevista produzida na disciplina de Crítica em Artes Cênicas, sob a orientação da professora Dirce Waltrick do Amarante.
Deixe um comentário