MArquE recebe exposição que explora nuances da saudade

Mostra foi construída por estudantes de Museologia da UFSC e possui elementos interativos

Ana Muniz

Com obras de arte em diversos suportes, objetos e instalações, a exibição retrata ideias variadas em torno da saudade. (Foto: Ana Muniz)

O Museu de Arqueologia e Etnologia (MArquE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) recebe a exposição “Saudades: entre ausências e presenças” até 18 de junho. A mostra, organizada por estudantes de Museologia da universidade, aborda a saudade sob diversas perspectivas e sensibilidades. Está aberta para visitação gratuita de terça a sexta-feira, das 7h às 18h30.

Com uma proposta sinestésica, a exposição inclui fotografias, bordados, lambe-lambe, colagens, objetos interativos e instalações. O circuito expográfico é composto por três núcleos, cada um com diferentes interpretações da temática. A primeira seção materializa lembranças afetivas tanto de ambientes caseiros quanto de urbanos. Já a segunda trata da temporalidade da saudade. A terceira, por sua vez, relaciona o sentimento à resistência da comunidade da Serrinha, localizada no bairro Trindade, em Florianópolis. 

O projeto foi construído por meio de uma atividade curricular, coletiva e anual do curso de Museologia. Durante dois semestres, a turma de estudantes planejou tanto a exposição quanto as ações educativas que a acompanham. O trabalho é desenvolvido nas disciplinas de Expografia e de Ação Cultural e Educativa em Museus, ministradas pelas professoras Thainá Castro Costa e Renata Cardozo Padilha, respectivamente.

A abertura da mostra ocorreu na noite de 20 de maio e reuniu cerca de 200 pessoas. De acordo com a estudante Luíza Lima, uma das organizadoras, os visitantes interagiram livremente com os objetos em exibição. Esse era um dos objetivos do projeto, que contou com a colaboração do público desde sua montagem através de pesquisas e do compartilhamento de histórias e arquivos. “Acho que tudo desde antes da exposição já criou esse sentimento das pessoas de quererem participar e estarem aqui com a gente”, complementa.

Além disso, foi possível perceber que vários dos visitantes se sensibilizaram durante a abertura. “Quis chorar com as pessoas, porque é muito emocionante. É ver que o esforço valeu a pena”, afirma Bianca da Cunha, outra das graduandas da turma. O evento, com entrada gratuita, também incluiu uma apresentação musical do grupo de samba De Pretas.

Um baú de brinquedos, rabiscos na parede e um guarda-roupa colorido. O começo do circuito expográfico, no primeiro núcleo, evoca memórias afetivas em um mergulho na infância, com objetos e propostas de interação com o público. 

Ao redor dos brinquedos, foram colocadas caixas de giz de cera e pastel. Com os utensílios, visitantes escrevem e desenham nas paredes e móveis. (Foto: Ana Muniz)

Ao avançar na seção, o cenário se amplia e traz lembranças relacionadas à família e amizades. Em um gaveteiro, espectadores podem manusear itens pessoais, como acessórios e fotografias — vários deles banhados de perfumes. Em seguida, a jornada leva à saída de casa para a rua, com um mural de lambe-lambe, um banco e um orelhão emprestado pelo Museu do Lixo de Florianópolis. Quem encostar o telefone no ouvido deve ouvir a chamada “Trilha Sonora da Saudade”, composta de canções sugeridas pelo público em um formulário.

Segundo a estudante de Museologia Júlia Losankas, o núcleo visa provocar estímulos sensoriais nos visitantes. “A gente tem o cheiro, o toque, a música”, descreve a graduanda. “Conseguimos reunir quase todos os sentidos para fazer as pessoas se sentirem parte daqui também”.

Para remeter a um ambiente caseiro, espaço conta com mobília e fotos de pessoas. (Foto: Ana Muniz)
Fotos do lambe-lambe retratam paisagens urbanas e festivas. (Foto: Ana Muniz)

No núcleo dois, o espectador adentra um espaço bem diferente do anterior. Cortinas penduradas formam um círculo ao redor de dois bancos e uma mesa. O foco dessa seção são as temporalidades da saudade. Nos panos, são destacadas frases de Nêgo Bispo e Ailton Krenak que tratam da ancestralidade. De acordo com Luíza, que participou da montagem do núcleo, uma das ideias norteadoras das instalações foi a de que vivemos em uma sociedade do “começo, meio e começo”. A expressão é usada por Bispo em um de seus poemas mais icônicos.

“Nós somos o começo, o meio e o começo.

Existiremos sempre,

sorrindo nas tristezas

para festejar a vinda das alegrias.

Nossas trajetórias nos movem,

Nossa ancestralidade nos guia.” — versos de poema de Nêgo Bispo

Segundo Luíza, a disposição circular das cortinas busca remeter à não-linearidade da vida. (Foto: Ana Muniz)

Sobre a mesa de centro, encontram-se dois álbuns. Neles estão colagens de fotos e depoimentos enviados por pessoas de diversas origens. Para a coleta dessas contribuições, os estudantes divulgaram a ação via WhatsApp e redes sociais. A partir desse compartilhamento, receberam mídias e textos oriundos de vários estados brasileiros e usaram os materiais como base para as colagens nos livros. “A gente ia escrevendo esses relatos à mão e se emocionando junto”, diz Bianca, que estava na equipe responsável pelos álbuns. 

Nas páginas dos cadernos, estão histórias de perdas, distâncias e amores compartilhadas com os estudantes. (Foto: Ana Muniz)

O terceiro espaço da exposição tem como protagonista a Serrinha, localizada no bairro Trindade. Nesse núcleo, a mostra entrelaça a saudade a temas de importância para a comunidade, como território, pertencimento e resistência. 

A concepção dessa seção partiu de uma percepção dos graduandos de Museologia.  Eles identificaram que, apesar da proximidade geográfica, há um distanciamento entre a comunidade e a UFSC. “Muitas pessoas da Serrinha trabalham aqui, mas mesmo assim temos pouco contato e parece haver uma barreira muito grande”, diz Bianca. 

Então, os estudantes decidiram realizar uma curadoria participativa para o núcleo três, destacando obras feitas por pessoas da comunidade. Em telas, estão gravadas fotografias tiradas por jovens da nona série da Escola Básica Municipal (EBM) José Jacinto Cardoso, situada na Serrinha. No centro da seção, estão penduradas obras comissionadas pelos graduandos, de autoria dos alunos da EBM. 

Imagens expostas nas telas foram produzidas pelos alunos do colégio José Jacinto Cardoso em uma oficina de fotografia. (Foto: Ana Muniz)
Fotocolagens elaboradas pelos jovens da Serrinha foram reunidas em um painel. (Foto: Ana Muniz)

A relação entre a UFSC e a Serrinha é marcada por anos de disputa territorial. Em 2009, a universidade iniciou uma ação de reintegração de posse de uma área de 14 mil m², entrecortada pela Servidão dos Lageanos. O local é ocupado por pelo menos 86 famílias da comunidade há cerca de 40 anos. Em 2012, a Polícia Federal entregou à população notificações da ação judicial. A situação chocou vários dos moradores, que sequer sabiam que o território pertencia à UFSC. 

Após anos de luta da comunidade, o Conselho Universitário autorizou a doação da terra à Prefeitura de Florianópolis em 2016. O termo em que é registrada a aprovação é exibido em larga escala em uma parede do núcleo três. A ação de reintegração de posse foi encerrada apenas em 2020, por meio de um acordo entre a universidade e a prefeitura. Em 2024, através do programa Lar Legal, 86 famílias desse local receberam títulos de propriedade. 

A comunidade está representada principalmente no final do circuito expográfico, mas ela foi o ponto de partida da ideação da mostra. Segundo a professora Thainá, a temática surgiu logo nas primeiras discussões. “A questão da Serrinha foi um incômodo e uma hipótese que partiu deles [os alunos]”, afirma. A ideia da turma era trazer a comunidade para ocupar o espaço universitário. “Estávamos conversando sobre como integrar a Serrinha dentro da UFSC e fazer eles virem para cá e se enxergarem aqui, assim como as pessoas daqui exergarem eles”, explica Bianca.

Além da mostra, o projeto expográfico elaborado pelos graduandos contempla ações educativas e culturais. Ao todo, são quatro atividades. Uma delas é a Trilha Sonora da Saudade, em andamento durante todo o período de visitação. Nela, o público pode sugerir músicas que despertam sentimentos nostálgicos. As canções indicadas podem ser ouvidas no orelhão do primeiro núcleo.

Após o encerramento da mostra, o orelhão retornará ao Museu do Lixo. (Foto: Ana Muniz)

Duas atividades são voltadas para o público infantil. Em uma delas, “Palavras da Saudade”, será realizada a contação de história com elementos visuais para incentivar crianças a refletirem sobre a saudade. Essa ação será executada entre hoje (27) e a próxima terça-feira, 3 de junho, com turmas do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI/UFSC). A outra programação infantil foi desenvolvida especificamente para jovens da Serrinha: “Um Céu de Pipas”, que consiste em uma oficina de confecção de pipas, que em seguida serão soltas nos gramados da UFSC. O evento ocorrerá em um sábado, 14 de junho. 

Para um público mais amplo, o projeto oferece “Luz, câmera e… Saudades!”, com a exibição de filmes que abordam nostalgia, transformações e identidade, seguidas de debates coletivos. As sessões ocorrerão no auditório do bloco F do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da UFSC, todas com início às 18h30. Serão exibidos os seguintes longas:

  • O palhaço (2011), em 28/05;
  • Saudade fez morada aqui dentro (2022), em 06/06;
  • Sonhos roubados (2009), em 11/06.

Segundo a docente Renata, que orientou o planejamento das ações, essa agenda cultural busca conversar com as mensagens da exposição, oferecendo as melhores escolhas de ações voltadas para seus públicos-alvo.

A criação de “Saudades: entre ausências e presenças” começou no segundo semestre letivo de 2024. Após as primeiras discussões, foram feitos levantamentos para a definição de temas e abordagens. Os estudantes aplicaram três pesquisas de público: uma para a comunidade acadêmica, outra voltada à Serrinha e mais uma online, aberta para todos. “Quando tabularam as pesquisas, eles entenderam que um tema em comum que aparecia nas falas de todo mundo era saudade, embora ninguém tivesse referenciado esse termo”, afirma Thainá.

Sob a orientação de Thainá, Renata e a monitora Alice Figueira, a turma de 14 graduandos planejou e executou todas as partes do projeto — incluindo a arrecadação e organização de recursos financeiros. “Nós temos R$ 7 mil da UFSC, mas é um dinheiro burocrático, mais direcionado à gráfica, coisas assim desse tipo”, explica Júlia. Para conseguir o resto das verbas necessárias para a exposição, foram feitas campanhas, venda de ecobags, café museal e festas.  Após quase um ano de trabalho, os estudantes aproveitam feedbacks do público. Já na noite de abertura, Júlia percebeu reações positivas: “pessoas se debulhando em lágrimas, comentando que está muito lindo”. A emoção não foi apenas dos visitantes. Luíza relata que teve muitos sentimentos durante a abertura. “Foi algo bem bacana ver como todo o trabalho realmente deu fruto e que o público gostou.”


Ana Muniz

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), amante das artes e mãe de gato.

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