Em show de ilusionismo, SPFW luta para se reencontrar em meio ao cenário confuso da moda brasileira

Ensaio por Matheus Alves

Abertura da SPFW com desfile inspirado nas formas, cores e movimentos da cultura de circo. Foto: Marcelo Soubhia/ @agfotosite

No início de abril, todos os olhos estavam voltados para São Paulo, e toda São Paulo olhando em direção ao futuro da moda nacional durante a São Paulo Fashion Week. Coberto por uma tenda e imerso no mundo circense, o desfile da Aluf, que aconteceu há pouco mais de um mês, no dia 6, abriu a temporada de moda em grande estilo no meio de um dos maiores centros de varejo da indústria têxtil do país — a Barra Funda — com a coleção “Malabares”. 

Em um ano comemorativo, no qual o evento chega a sua 60ª edição, o gosto amargo de decepção desce seco diante das inúmeras falhas que acompanharam os dias seguintes de desfiles, marcados por problemas técnicos, escândalos nas redes sociais, revolta das modelos e, é claro, os influencers. Com um line-up reduzido e coleções dignas de trabalho de conclusão de curso, o circo deixou de ser tema inspirador e se tornou realidade. 

João Pimenta apresentou espetáculo no qual música, arquitetura e moda se tornaram um só. Em seu universo masculino, o designer usou do moulage — técnica de modelagem feita diretamente no corpo vivo ou manequim — e elevou a alfaiataria brasileira a novas dimensões. 

Momentos de respiro (sabor baunilha) aconteceram, de fato. João Pimenta — mais uma vez — invadiu nossas mentes ao apresentar alfaiataria de fina modelagem para o corpo masculino, e triunfou no uso do moulage para criação das mais atemporais peças apresentadas ao longo da semana. Mas, ainda diante de apresentações primorosas, aplausos tiveram um som desconfortável após cenas de homofobia e agressão entre os convidados. Novamente, a moda se tornou apenas um tira-gosto, quando deveria ser servida como prato principal. “O que aconteceu com a SPFW?” é a pergunta do momento, mas parece que ninguém tem coragem de respondê-la com o mesmo peso em que é feita. 

Talvez fosse tempo de reformular a questão e refletir sobre para quem ela está sendo direcionada. Afinal, a moda é para arte, para o comércio, para indústria, para mídia, ou para todos esses? Se ela não servir para nenhum destes propósitos, para que (ou quem) ela serve? Em um mundo onde tudo é réplica e, em situação de réplica, também replicável, qual o valor de apresentar uma coleção exclusiva em um evento que tem alcance limitado à virais nas redes sociais?

As respostas podem ser diversas, mas há um senso comum – a SPFW deste ano não celebrou a moda, mas sim, a ideia dela. Com direito a show de horrores e tudo mais, as (des)ilusões da semana de moda são uma versão deturpada e distante do que é fazer arte e construir história por meio dos processos criativos que levam ao produto final (o sabor amargo continua).


Matheus Alves

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina, adora moda, fotografia, R&B e gastronomia.

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