O guri

Conto por Kalil de Oliveira

Ilustração por Lucía Alday.

Tem 20 anos no máximo. Usa colete amarelo sobre blusa de manga comprida cinza, calça preta e tênis de igual cor. Joga, com força, um pacote de gelo no chão. Mais uma vez, para que rompa. Se reúne em um círculo com outras 12 pessoas com o mesmo uniforme. À frente, um homem parrudo de camiseta e boné vermelhos que estampam uma marca de cerveja dá ordens e orientações. O guri escuta e, depois, como os outros, se dispersa entre os 10 metros de comprimento por 4 de largura do bar do show.

Atende, primeiro, uma mulher loira de cerca de 1 metro e 80. Ela veste um macacão amarelo e jaqueta jeans. Não consigo ver seus sapatos. Ela está do outro lado, no setor VIP. Pede uma cerveja. Não, duas, a amiga complementa. O guri recolhe os tickets, se vira, abre o freezer, seleciona duas latas, busca os copos, enche, caminha até o balcão e os entrega. 

No setor VIP, uma guria, com o mesmo colete, mas uma placa gigante que emerge de suas costas e diz “Caixa”, cobra dez cervejas de dois caras muito parecidos: cabelo curto degradê, barba bem feita, shape definido, camisetas e calças justas. A guria imprime as notas. Eles, antes de entregar ao guri, tiram uma foto ostentando as notas com o equivalente a R$ 200,00 em bebidas alcóolicas. 

Do outro lado do balcão, uma mulher loira, usando óculos e blusa colorida, grita:

– Ei! Aqui! Psiu! Moço! 

Ele escuta, caminha até ela. Recebe o ticket, vai até o freezer, busca a cerveja, entrega a cerveja. O homem parrudo de roupa vermelha se aproxima dele. Gesticula. Ele não deveria atender a pista comum. 

A sequência se repete ao longo da noite. À medida que a casa de shows vai enchendo, o trabalho fica mais intenso. Mais pedidos. Mais hostilidades do homem parrudo de roupa vermelha. O DJ encerra a set, e a banda sobe ao palco. Ele não percebe, segue servindo cervejas. Até que, já pelo fim, os músicos tocam aquela música. Ninguém quer mais cervejas, e o homem parrudo de roupa vermelha já não está perto. O guri, que até então não havia prestado atenção no som que precisava ignorar para atender os clientes, olha para o vocalista. Se vidra por cinco segundos. Levanta um pé, depois o outro, e dança enquanto uma guitarra sola desconcertantemente. Que bom que o homem parrudo de roupa vermelha não viu, pensa após 3o segundos de baile. 


Kalil de Oliveira

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina.

Lucía Alday

Estudante de Estudos Internacionais e Ciências Políticas na Universidade Carlos III de Madri. Também amante da pintura e da ilustração.

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