“O Espectador Condenado à Morte”: Todos somos culpados?

Grupo de extensão da UFSC realizou nova temporada de apresentações da peça escrita por Matéi Visniec

Cecilia Guedes*

Escrita em 1985, em meio à ditadura romena, a peça “O Espectador Condenado à Morte” é uma comédia extasiada que satiriza o sistema judicial ao retratar um tribunal que não considera a inocência do suposto acusado como uma possibilidade. Apontamentos absurdos provocam risos, transformando a acusação em alegoria. A obra serve como um aviso para aqueles que pensam estar protegidos da regressão social. 

Matéi Visniec, autor da peça, é um dramaturgo, poeta e jornalista romeno naturalizado francês. É o autor do ridículo, da rebeldia, da poesia, e promove continuidade ao gênero do Teatro do Absurdo. A designação foi criada pelo crítico húngaro Martin Esslin no fim da década de 1950 para nomear o movimento que usava como recursos o abandono da racionalidade e construções repetitivas e absurdas para tratar da incomunicação e desolação do homem moderno. A obra de Visniec tem um humor peculiar, ácido e inteligente, com denúncias contra o autoritarismo. Ele acredita que os escritores têm ferramentas sutis para descobrir e expor as feridas do mundo, e, por isso, podem ajudar a tratá-las.

Dirigido por Leonardo César, “O Espectador Condenado à Morte” é um trabalho com base no texto de Visniec que surgiu do grupo de pesquisa e extensão “Estúdio Trabalho em Cena” do curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Através do Edital Lei Paulo Gustavo D+ SC, o grupo realizou uma nova temporada de apresentações, com duas noites no Teatro da Ubro e outras duas no Sesc Prainha.

O grupo de extensão apresentou o espetáculo pela primeira vez em junho de 2023. (Foto: Divulgação/ Instagram – @condenadoespectador)

“Senhoras e senhores, há um criminoso entre nós!”, anuncia o procurador (encenado por Matheus Russo), no Teatro da Ubro, às 19h de 21 de abril. A acusação domina o palco e aponta, aleatoriamente, um espectador como culpado. Culpado de quê? Talvez de ficar calado e não intervir quando a justiça perde a razão. A sentença deve ser uma condenação à morte. Outros espectadores são designados como culpados, mas, aos poucos, alguns do tribunal, como o procurador e a escrivã (encenada por Esther Pickrodt) pedem para também ser interrogados e, cada vez mais despertos de si, vão da acusação à autocrítica. Ninguém é inocente se a justiça é uma farsa, se há suborno e se todas as testemunhas são inúteis, como nesta peça.

O espetáculo é entendido como metateatro, visto que questiona e faz questionar: o que é realidade? O que é teatro? Quando estamos interpretando? Possui personagens conscientes de sua dramaticidade e debate os limites e possibilidades da arte dramática. O ambiente da ação ocorre no plano da realidade e da ficção ao mesmo tempo, ou seja, no teatro e no tribunal. Há falas como “meu nome é Danni e eu sou a produtora desta peça”. Também existe a ruptura da ilusão teatral por meio da completa desconstrução da quarta parede, da interação com o público e da inserção da crítica no discurso ficcional. É possível encontrar o metateatro em diversas outras peças, como o “Homem ao vento”, de Marcos Damaceno e “Os Cavalos Comem Repolho com Manteiga Defumada”, de Uarlen Becker. Peças que remetem a si mesmas, enquanto obras de representação, e retratam o teatro dentro do teatro.

No enredo, há a destruição de certezas que se tem como absolutas e debates sem lógica, que não levam a lugar nenhum. Além disso, os personagens ficam chocados ao descobrir que todos os incriminados da plateia não são a mesma pessoa. Isso é uma grande crítica ao intenso processo de massificação presente até hoje, em que o indivíduo é anulado. Na peça, são discutidas as reflexões “como você sabe que existe?” e “fingimos um delírio para poder sobreviver”, que falam sobre a insignificância da existência — característica do Teatro do Absurdo, com influências do surrealismo e do existencialismo.

“Todo mundo acredita [que é culpado], porque ele não acredita?”. A fala do procurador evidencia como a sociedade, em inúmeros momentos, coloca sobre as pessoas o peso de situações que não pertencem a elas, fazendo com que a maioria se sinta responsável por falhas de outros, ou da própria sociedade.

Em entrevista para o jornal O Globo, Visniec disse: “Pelo riso, pela ironia, pela metáfora, pela poesia, por sua força de denúncia do absurdo, por sua capacidade de se indignar e de mostrar às vezes a loucura e a barbárie, o teatro traz o oxigênio que nosso cérebro precisa para não regredir. Eu escrevo neste espírito: ajudar cérebros a não caírem em depressão e não se atrofiarem”. A representação do “Estúdio Trabalho em Cena” de “O Espectador Condenado à Morte” simboliza bem essa fala do autor. 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *