Luiza Cidade Souza*

“Frankenstein”, de Mary Shelley, publicado em 1818, é uma obra-prima da literatura gótica que, sem dúvida alguma, continua a surpreender e instigar. A história se desenvolve em torno de Victor Frankenstein, portador de uma ambição descontrolada, que desejava desvendar os mistérios da morte. O fruto dessa ambição e desejo é a criação de uma criatura grotesca, vista na sociedade como um monstro solitário e rejeitado. A criatura, então, questiona as condições humanas. Essas reflexões existenciais e filosóficas ainda perduram pelas gerações atuais, podendo-se afirmar que a obra de Shelley é atemporal.
O compositor, pianista e professor Alberto Heller vê nessa atemporalidade uma oportunidade e cria uma adaptação da história textual para uma produção musical, a ópera-rock “Frankenstein” da Camerata Florianópolis. Seis anos depois de sua estreia de enorme sucesso em 2018, retornou ao Teatro Ademir Rosa no Centro Integrado de Cultura (CIC), nos dias 10, 11 e 12 de maio deste ano.
Segundo Alberto, diretor artístico e compositor da peça, o principal desafio em adaptar a história de Shelley para uma produção musical “foi chegar a um conceito musical mais preciso”. Decidiu não seguir a abordagem do teatro musical. Peças nesse formato, de acordo com o diretor, tendem a ser mais leves na orquestração e no tratamento musical, com influências do jazz e da música pop. Já no rock, existiram obras de bandas que agregaram orquestras em suas faixas — como The Who no álbum “Tommy” (1969) e Pink Floyd, no álbum “The Wall” (1979). “No meu caso foi o contrário: parti de uma orquestração clássica e densa, no estilo dos pós-românticos, como Mahler e Richard Strauss, e agreguei a banda de rock. Poderíamos dizer que foi 70% clássico, 30% rock”, explica Alberto.
Heller também afirma que tentou ser o mais fiel possível ao texto original, “especialmente na tentativa de resgatar seu caráter filosófico-trágico. Tem ideias incríveis no livro, e queria muito chamar a atenção do público para elas”. Entre as temáticas presentes na obra de Shelley, podem ser interpretadas questões como a busca pelo conhecimento, solidão e isolamento, a relação humana com o divino, consequências imprevistas de nossas ações e até mesmo a ambição desenfreada do personagem principal, que não foi amenizada na hora da adaptação.
É possível perceber que, por abordar essas ideias, “Frankenstein” serve como um espelho da sociedade da época e da atualidade, mesmo depois de mais de 200 anos de seu lançamento. Vemos exemplos dessa ganância em várias áreas, como desenvolvimento tecnológico, exploração de recursos naturais e poder político, nas quais alguns acabam por deixar de lado a humanidade que semeia dentro de nós.
Sem deixar de lado o polêmico assunto das inteligências artificiais e mutações genéticas que ganharam um solavanco descomunal nos últimos anos, tais assuntos levantam preocupações sobre até onde devemos ir em nossa busca pelo progresso científico. Assim como Victor, até que ponto vamos desafiar os limites científicos e continuar enfrentando questões éticas e morais relacionadas aos avanços tecnológicos?
Assim, “Frankenstein” ressurge em nossos corações para deixar questionamentos sobre nossas existências. Desde a bondade do ser humano e sua corrupção pela sociedade, até a ideia de culpar um ser superior divino para fugir de responsabilidades ética-morais em nossas ações, especialmente quando se trata de questões que afetam a vida e o bem-estar de outros seres humanos ou do planeta como um todo.
Para Alberto Heller, a tarefa mais importante ao adaptar um texto ao formato musical é “perceber o quanto a música está mais interessada na emoção que no ‘conteúdo’”. O compositor repercute o apontamento em sua própria peça. “Hoje, ouvindo minha ópera, sinto que me apeguei demasiado a algumas ideias. Queria a todo custo que o público entendesse os detalhes da trama, mergulhasse no conteúdo de cada pensamento, e percebo que, em vários momentos, sobrecarreguei ou saturei as texturas”, afirma Heller. “Junto à música, o texto deve ficar lembrando a si mesmo que menos é mais”.
*Estudante da terceira fase de Artes Cênicas na UFSC, atriz de teatro (2017-presente) e de audiovisual.
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