“Mais subversivo que isso, impossível”: Cine Paredão da UFSC completa 17 anos

Projeto iniciou em 2008 e já exibiu mais de 500 filmes ao longo de sua história

Maria Victória Sampaio

Sessão de Halloween aconteceu na última sexta, 31, com exibição do clássico “Halloween – A Noite do Terror” (1978). Foto: Eduardo Gonçalves Dias

Pessoas sentadas no chão, em meio a um bosque, rodeadas por árvores. À frente delas, uma parede grande coberta por um pano branco, que serve como tela para projeção de filmes. União, liberdade de ir e vir quando quiser e consumo coletivo de cultura ao ar livre — isso é o que o Cine Paredão, projeto de exibição cinematográfica gratuita do curso de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) oferece aos seus espectadores. Iniciada em 2008, a ação já foi responsável por apresentar gratuitamente mais de 500 películas nacionais e internacionais, para todos que quisessem participar da experiência.

As exibições, geralmente realizadas semanalmente nas noites de sextas-feiras, ocorrem no Bosque do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) da UFSC e são abertas ao público geral. Para a professora Clélia Maria de Mello, coordenadora do projeto, a importância da ação mora na possibilidade de unir pessoas de diferentes grupos e vivências, com foco em promover a coletividade da comunidade universitária. “É inspirado nos antigos driveins e cinemas improvisados ao ar livre, como uma proposta de trazer comunhão entre as pessoas”.

Outro diferencial do Cine Paredão, segundo a professora, é a abertura livre de idas e vindas — ou seja, o espectador não tem a obrigatoriedade de permanecer até o fim dos filmes, nem de estar presente desde o início — e a abordagem não acadêmica do projeto, que opta por não incluir rodas de conversa no fim das sessões. “Não tem esse formato de cine-clube tradicional, de ter alguém para explicar ou comentar a película no final, somente caso aqueles que assistem queiram conversar, de maneira mais informal.”

Clélia destaca, ainda, que, ao longo de 17 anos, o projeto exibiu títulos com temáticas, idiomas e épocas diversas. A maioria dos filmes apresentados não é de caráter mainstream, ou seja, não são obras de grande divulgação e bilheteria, mas sim, películas que abordam assuntos relevantes socialmente e pouco tratados na indústria cinematográfica hegemônica.

A curadoria realizada para escolher os filmes, segundo a docente, é pensada não apenas para proporcionar entretenimento, mas também para gerar reflexões em quem integra a audiência nas sextas-feiras. “Geralmente tem recortes, então, caso tenha alguma data significativa, como o Dia da Consciência Negra, por exemplo, exibiremos filmes que se conectam com essa temática, seja pela narrativa, visual ou contexto histórico da obra”, explica.

Coletividade, subversividade e união

O local pouco convencional em que ocorrem as exibições marca a identidade do projeto. Para a professora, por ser um bosque no meio da universidade, poucos imaginam que um cinema poderia existir no espaço. “O bosque do CFH ainda é um local lindo e mal aproveitado, não se desfruta muito daquele lugar. Com as sessões ao ar livre, mesmo com alguns imprevistos, como clima difícil, o projeto traz maior contato entre os estudantes e fortalece a noção de coletivo”. Em dias de chuva o Cine Paredão toma outros espaços, geralmente ocupando auditórios do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, para melhor acolher a audiência e garantir a programação da semana.

Além de ter como objetivo principal focar na promoção de maior contato e comunhão entre estudantes, o Cine Paredão tem em seu núcleo outros pontos essenciais que extrapolam o conceito de coletividade. Para Eduardo Gonçalves Dias, egresso do curso de Cinema da UFSC, ex-bolsista do projeto e atual organizador voluntário da ação, as noções de subversividade e liberdade são fundamentais para o andamento do projeto e para todos que buscam fazer parte da experiência. Isso explica o que há escrito na biografia do perfil oficial do Cine Paredão no Instagram. Quem visita a página, logo se encontra com uma frase que chama a atenção por si só e que Eduardo faz questão de destacar como o perfeito resumo do projeto: “Filmes projetados em um paredão no meio do bosque do CFH. Mais subversivo que isso, impossível.”

De acordo com ele, a experiência subversiva e ligada à liberdade oferecida pelo projeto se dá, justamente, pela possibilidade de abertura para que as pessoas se aproximem e deixem o espaço quando quiserem, além de incentivar o consumo de arte e cultura gratuita, ao ar livre. “O diferencial é que quem quiser pode sempre chegar, se deitar em uma toalha e aproveitar. Podem observar a paisagem, levar algo para comer e beber e se reunir, sempre com respeito a quem está junto”, diz.

Individualidade é o novo sucesso de bilheteria

Na visão do organizador, a comunidade universitária se encontra, atualmente, menos conectada e mais individualista. Esse é, para ele, um dos motivos que levou à diminuição do público frequentador das sessões semanais. “Hoje as pessoas não querem mais estar juntas, preferem ver os filmes em casa, sozinhas. As pessoas preferem obras que se identificam, que são próximas a elas, não existe mais aquele sentido de conhecer o outro, o mundo do próximo.”

Clélia, por outro lado, argumenta que a falta de segurança no campus universitário também é um forte motivo para a falta de público considerável nas exibições gratuitas. “Começou a ficar perigoso à noite na universidade. Para quem precisa ir e voltar sozinho nesse período, fica complicado”. A combinação dos fatores apontados por Clélia e Eduardo explica a baixa no número de espectadores do Cine Paredão, que atualmente não reúne mais de dez pessoas nas sessões. “Com exceção de exibições de filmes mais conhecidos, tem semanas que aparecem duas, três pessoas apenas. Principalmente em dias de chuva”, comenta Eduardo.

Para o egresso da UFSC, com a ascensão das redes sociais, apesar da vantagem de maior conectividade entre as pessoas, o movimento de individualização, sobretudo dos jovens, também cresceu, o que provocou — e ainda provoca — a menor valorização da coletividade entre estudantes. “Hoje as pessoas não vão mais assistir filmes para se reunir com os outros e aproveitar, elas vão para tirar fotos, para mostrar nas redes sociais o que estão vendo.”

A mercantilização do cinema e as novas tendências geradas pelas redes sociais, que incentivam o consumismo exacerbado e a performance social – no sentido de haver necessidade de sempre publicar, em plataformas online,  o que fez durante o dia e com quem ou por onde esteve -, também influenciam a queda no número de pessoas interessadas em participar das exibições, na visão do organizador. “A essência das coisas não é mais suficiente, hoje tem que ter muito marketing para atrair, sempre algo a mais para oferecer, como nos blockbusters, é todo um pacote de coisas que é vendido junto”. Para ele, atualmente, as pessoas preferem – e enxergam mais valor – em programas pagos, o que faz com que as ações gratuitas e de caráter social acabem ficando para trás, em detrimento de eventos que contam com maior investimento e divulgação.


Maria Victória Sampaio

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apaixonada por leitura, música e arte.

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