Robson Ribeiro
“Mais razão e menos emoção” é uma expressão que dificilmente se aplica ao cinema de Luis Buñuel. O diretor hispano-mexicano, com uma filmografia de 41 filmes, é conhecido pelo pioneirismo em retratar os absurdos da psique humana. Uma de suas obras mais icônicas é o curta-metragem Um Cão Andaluz, lançado no final da década de 1920 em Paris, na França. Buñuel o escreveu com Salvador Dalí, grande nome do movimento surrealista. Desde os primeiros minutos, o filme perturba, choca e leva o espectador a questionar: onde foi parar a lógica e o sentido?
Para entender o filme — se é que essa é a proposta — é preciso considerar o contexto histórico da época de sua produção. Na década de 1920, Paris era o centro da vida cultural e artística, vivendo o auge das vanguardas europeias, que buscavam romper com as tradições artísticas estabelecidas até então. O Surrealismo, uma dessas vertentes, propunha o afastamento da razão e da lógica em favor da expressão do inconsciente, através dos sonhos, desejos reprimidos e emoções. Oficialmente estabelecido em 1924 com a publicação do Manifesto Surrealista, de André Breton, o movimento influenciou diversas áreas artísticas.
É justamente por quebrar com as expectativas e romper com as convenções que Um Cão Andaluz se tornou um marco na história do cinema. A parceria entre Buñuel e Dalí na produção foi além da técnica. A conexão entre o pintor e o cineasta também caminhou para o universo surreal e onírico. Não é à toa que o filme é interpretado como uma síntese de sonhos compartilhados por ambos. O resultado desses sonhos é uma colagem de imagens perturbadoras, que desafiam a realidade e são desprovidas de qualquer lógica.
Depois da repulsa inicial causada pela cena em que um olho é perfurado por uma lâmina, o filme segue um padrão de planos que buscam capturar de volta a atenção do público. Um plano aberto contextualiza a cidade, a rua, a casa e por fim o quarto, local onde se passa grande parte do filme. Em outros tipos de cinema, essa sequência serviria como fio condutor para introduzir o enredo. Buñuel, porém, escolhe outros caminhos. Aqui, o elemento que parece tentar estabelecer unidade é uma caixa listrada que aparece como um easter egg: primeiro como um porta-gravatas, depois armazenando uma mão mutilada e, por fim, aparece destruída na areia na praia.
Formigas saindo de uma mão, padres sendo arrastados e burros mortos dentro de um piano. Tudo isso consegue fazer sentido no cinema de Luis Buñuel. Tentar encontrar um significado ou uma explicação racional ao que é visto é um erro, especialmente porque é na contramão dessa ideia que vai a provocação de Buñel e Dalí. Ao mesmo tempo inexplicáveis, eles questionam a necessidade constante da razão. Às vezes, é preciso deixar a explicação na alçada da loucura e é isso que faz o filme valer a pena. Nas palavras de André Breton: “Foi preciso Colombo partir com loucos para descobrir a América. E vejam como essa loucura cresceu, e durou. Não é o medo da loucura que nos vai obrigar a hastear a meio-pau a bandeira da imaginação.”
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