
Subo as escadas da estação de metrô Times Square at Broadway sorrindo de orelha a orelha. Dois de março. Apesar de ensolarado, o dia de inverno em Nova Iorque é rigoroso. Tenho de parar o meu caminho ao teatro para comprar um cachecol nas barracas na rua, já que minha blusa de segunda pele, meu moletom, casaco, jaqueta, touca e duas calças não me aquecem o suficiente.
Ao entrar no teatro Richards Rogers — onde o espetáculo é apresentado — recebo o playbill, um livreto tradicional contendo informações sobre a exibição, o elenco e o teatro. Agora a ficha começa a cair. Fui criada por musicais, maratonava “Glee” e participava de diversas pequenas peças de teatro, sonhando que um dia pudesse assistir uma de verdade.
O espaço do teatro é belo, elegante, decorado em tons de vermelho e dourado. Já o palco é simples — digno de uma peça de teatro de ensino médio —, decorado com apenas um terraço e uma escada de madeira. Porém eu estaria errada se dissesse que alguma outra coisa desse musical é simples.
Emoção e lágrimas
Conforme a primeira música, chamada “Alexander Hamilton”, começa a tocar e o elenco entra no palco, lágrimas escorrem do meu rosto. Uma lágrima. Duas, três. Cinco. Dez. O suficiente para me fazer tirar meu óculos, deixando turva à nitidez que enxergo o palco à minha frente.
Durante a peça é estritamente proibido o uso de celulares. Porém, não me preocupo com a regra enquanto minha mão esquerda segura o meu óculos e a mão direita segura o lenço que tenta secar as minhas incessantes lágrimas.
Eu soluço. Não é uma música triste, não vejo ninguém chorando. Não há motivos para chorar, não há motivo algum além de felicidade. Assistir esse musical é como um desejo de criança se realizando. Gratidão e felicidade me preenchem.
Elenco e Diversidade

Além de serem extremamente talentosos, não é só por isso que o elenco de Hamilton se destaca. O musical retrata diversas figuras históricas importantes para a independência dos Estados Unidos da América, como George Washington, Thomas Jefferson e o próprio Alexander Hamilton. Porém, dessa vez não é igual como vemos nos livros de história.
Hamilton tem metade do seu elenco formado por artistas negros, pardos, latinos, imigrantes e asiáticos. É a história sendo recontada pelas vozes que foram apagadas por séculos.
Em entrevista para a CBS Sunday Morning, o criador do musical, Lin-Manuel Miranda, conta que: “Hamilton é a história da América então é contada pela América de agora”. É uma forma de atualizar a narrativa fundadora. A pauta de racismo e diversidade não é so trazida no contexto histórico em que os personagens lutam pelo fim da escravidão, mas também está presente na escolha de quem dá rosto a esses personagens. Toda escolha estética também é um ato político.
Narrativa e Linguagem
Apesar de possuir uma premissa que soa como uma aula entediante de história, Hamilton é moderno, animado e imprime um ritmo diferente de todas as outras peças da Broadway ao trazer um musical de rap e hip-hop.
A escolha não é apenas estilística, é política. O rap nasceu da resistência, da periferia, da luta de quem foi deixado de fora da história. Lin-Manuel Miranda escolheu essas linguagens porque elas carregam memória, dor, pressa e o sonho de ser ouvido. Ao colocar essas vozes no centro, Miranda muda a forma como os Estados Unidos da América se vê.
Alexander Hamilton fala muito. Fala rápido. Como se estivesse correndo contra o tempo. Como se tivesse medo de ser calado. A música em “Hamilton” não é só trilha. É identidade. É discurso. É disputa de espaço.
Sucesso e Impacto
Após duas horas e meia no teatro, quando a última música “Quem vive, quem morre e quem conta a sua história” termina, todas as mais de mil pessoas presentes se levantam, o local ecoa o som dos aplausos e não tenho mais dúvidas do porquê a peça é um sucesso mundial.
“Hamilton” não acaba na última música, não acaba quando as cortinas fecham, não acaba no último aplauso. Ele não acaba na fronteira dos Estados Unidos. Mas segue vivo mundialmente nas escolas, nas redes sociais, nos fones de ouvido e nas discussões políticas.
O musical serve de inspiração para uma nova geração se sentir incluída na história do próprio país e apreciar a cultura das periferias. Teatro é cultura, teatro é arte. Tem o poder de recontar histórias, de inspirar, de emocionar e de conectar. Hamilton é diversidade, é dinamismo, é educação, é cultura. Não é só um musical, é um fenômeno.





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