Crônica por Maria Victória Sampaio

Em uma manhã de quarta-feira comum de agosto, adentrei o transporte coletivo, rumo à universidade. Já era a metade da semana, ufa! “Quase acabando”, eu repetia para mim mesma, enquanto aguardava, ansiosamente, para que o efeito da cafeína finalmente ocorresse no meu corpo cansado.
Enquanto tentava -e falhava miseravelmente- me focar em folhear as páginas de um romance que pretendia retomar, olho para frente e reparo em um par de amigos que falava alto no ônibus. A menina, alta, de cabelos crespos pretos, aumentava seu tom de voz a cada frase, cuspindo as palavras com entusiasmo pelo aparelho odontológico prateado brilhante que havia em sua boca. O amigo, baixo, de cabelos ruivos e lisos como seda, apenas escutava a garota com olhos arregalados e um sorriso que não conseguia conter; os dentes se projetavam para frente e ele parecia capturado totalmente pela história que lhe era relatada.
– “Estou falando, Róbi! Era ele, eu vi!”
– “Não pode ser! Tem certeza?”
– “Absoluta! E você não faz ideia de quem estava com ele.”
– “Meu Deus, para! É quem eu estou pensando?”
Àquela altura, eu ouvia a conversa com atenção, tentando ser discreta, apesar de reconhecer que discrição não era bem o ponto forte da dupla, que continuava a berrar as informações “secretas” (agora não mais), em alto e bom tom para os quatro cantos do transporte coletivo e, consequentemente, para todas as 27 pessoas que estavam a bordo.
– “Sim! Era a Fabiana!”
– “Surpreendendo o total de zero pessoas, né? É a cara dela.” O baixinho disse em tom sarcástico.
Agora eu estava curiosa. Eu queria saber quem era Fabiana,o porquê de ela ser tão comentada e, meu Deus, queria julgá-la com eles. Queria esse prazer e esses sorrisos enormes que só uma fofoca aleatória em uma quarta-feira comum poderia oferecer.
– “Ninguém gosta dela, ela é insuportável.”
– “Verdade, não sei como ela consegue ser insuportável desse jeito.”
– “É, mas… Quem somos nós para julgar, né?”
Ambos riram e a menina alta puxou a cordinha, parando o ônibus em um ponto perto de uma escola municipal. Enquanto avançavam para descer os degraus do transporte, o menino ruivo levanta o braço direito, em sinal de aceno e cumprimenta;
– “Oi, Fabi!!”
A moça de cabelos curtos e castanhos claros acena de volta e vai até a dupla, com um sorriso animado. Ela não fazia ideia. O trio caminha junto pela calçada e logo o ônibus volta a andar, apesar do meu desejo de permanecer com os olhos grudados na cena. Após o trio sumir da minha vista, fiquei alguns segundos olhando para o nada. Voltei a folhear as páginas cheias e silenciosas do meu livro. Mais uma quarta-feira começava, o café não fez efeito e eu não posso julgar ninguém.
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