Crítica por Matheus Alves

A Bruxa Má do Oeste, grande vilã de toda Oz, mais uma vez pousou com sua vassoura velha e imunda na capital paulista, no palco do Teatro Renault, para mais uma série de performances do brilhante musical norte-americano “Wicked: A História Não Contada das Bruxas de Oz”. A terceira montagem do clássico da Broadway em solo brasileiro começou ainda em março, com temporada limitada que se estende até novembro de 2025. Myra Ruiz e Fabi Bang também retornaram para os papéis de Elphaba e Glinda, respectivamente. Novos figurinos, cenários e um voo sob a plateia de tirar o fôlego durante o final do primeiro ato, o Caderno Cultural Expressões conferiu tudo de perto na noite de 26 de julho e, depois de muitos rumores e especulações prematuras, pós-maturas, eu venho esclarecer: realmente, algo de mau se passa nas terras do Maravilhoso Mágico de Oz.
Ainda com as cortinas fechadas, logo quando entrei no teatro e procurava meu lugar em meio a multidão, senti falta de algo naquele cenário tão familiar, mas tão distinto. Acontece que, antes mesmo do espetáculo começar — ao menos, na versão original da peça — o público é imerso dentro da narrativa ao se deparar com um imenso dragão acima do arco proscênio, com olhos de rubis e asas imponentes.
Sua presença faz referência a história do livro de Gregory Maguire, autor da obra de mesmo nome que inspirou o musical, na qual é descrito um show itinerante de marionetes chamado de Relógio do Dragão do Tempo, que, em todo seu mistério, mostra o futuro para os personagens da trama por meio de peças deturpadas. Um detalhe que pode passar despercebido para quem não conhece o conto, mas essencial para entender como a narrativa nos convida a enxergar Oz antes, durante e depois da chegada de Dorothy. Como se nós, sentados em nossos assentos, estivéssemos assistindo à profecia da morte da Bruxa Má do Oeste ser contada diante de nossos olhos, de dentro do próprio Relógio.

Gritos e baderna eram o que eu esperava da plateia. Não é algo comum no teatro, pelo contrário, mas é o que estava acontecendo desde o início dessa produção polêmica. Fãs do musical cantando as músicas em pleno pulmão, assediando os atores ainda em cena e se comportando como em um festival de música. Tudo isso estava sendo relatado por parte do público nas redes sociais. O incômodo foi tanto que a produção do musical teve que se manifestar nas redes: “Queridos espectadores, durante a apresentação, por favor, guardem suas reações e aplausos para o final dos números musicais, mantendo o silêncio ao longo da performance”. Observei com atenção as reações da plateia durante toda performance, mas para minha surpresa (e sorte), nenhum distúrbio aconteceu.
Com o início do primeiro ato, ficou claro que esta não era a única mudança significativa. Seguindo o sucesso da adaptação para longa-metragem dirigida por Jon M. Chu e estrelada por Cynthia Erivo e Ariana Grande, essa nova versão do musical recebeu uma repaginada para ficar o mais fiel possível ao filme, responsável por arrastar toda uma nova geração de fãs ao teatro para assistir à peça pela primeira vez. Diferente da primeira montagem — concebida em 2016 e réplica idêntica ao roteiro, figurino, coreografia e música da peça que estreou em 2003 na Broadway — esse novo Wicked é mais atual, com referências à cultura pop e um teor cômico jamais visto em outras versões.
O público, que ansiava saber se Fabi Bang iria balançar a varinha de Glinda ao longo da noite, ficou extasiado com cada piada, maneirismo e, ouso dizer, até o respiro da atriz enquanto encenava. Myra Ruiz, por outro lado, não deu o ar da graça e foi sua cover, Tabatha Almeida, que subiu ao palco pintada de verde para interpretar Elphaba. Deliciosa surpresa. Apesar de ainda tímida, tentando se encaixar sem parecer uma sombra de Myra, Tabatha dominou cada centímetro do Renault com uma voz absoluta, e ganhou de vez o público quando, montada em sua vassoura, desafiou a gravidade sobrevoando a plateia e atingindo notas que não deixam dúvidas sobre seu talento.
A dupla era competente, mas tinha pouca química. Fabi, que apesar de mascarar ao longo da performance, ainda parecia cansada. Apenas algumas semanas antes, a atriz havia se afastado do palco após sofrer uma crise de burnout. Em relato compartilhado em seu Instagram, ela desabafou sobre como é difícil conciliar o trabalho com a maternidade — “Vinha pensando em muita coisa ao mesmo tempo, muita demanda, autocobrança”. Seu retorno, já muito antecipado pelos fãs, foi mais leve, contido. Isso ficou translúcido no momento final do show, durante os agradecimentos, quando ela, sempre tão espoleta, se manteve mais quieta ao lado dos colegas de elenco.
Todo bem tem seu preço e, para “Wicked“, acrescentar a esse novo roteiro um tom cômico ainda mais acentuado do que na versão de 2023 acabou botando em cheque alguns momentos da história que pediam por sobriedade. Cada piada, apesar de cumprir a função de entreter, me tirava, pouco a pouco, daquele universo mágico, singular. O figurino, em carência de personalidade, buscava se encaixar em trends fashions do mundo real invés de se apegar ao que, hoje, já é clássico na Broadway. E tudo era grande, muito grande, mas nada se compara ao encanto de enxergar Oz por dentro do maquinário do Relógio. Afinal, me perguntei ao deixar o teatro, será que todo esse espetáculo foi feito para mim e para os que sentam ao meu lado, ou para os que assistem das telas dos celulares, talvez pelo TikTok? Nesse “Wicked“, a Cidade de Esmeralda já não é tão polida, perdeu o brilho.
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