No século do streaming, locadoras são resistência

Com o avanço de plataformas digitais de vídeos, a última locadora da região metropolitana de Florianópolis sobrevive como espaço de memória e socialização

Adrielli Duarte e Maria Eduarda Assmann

Sulvideo Locadora, em Palhoça, permanece aberta desde 1994. (Foto: Maria Eduarda Assmann)

Movimentado por algumas de suas lanchonetes famosas, o bairro Ponte do Imaruim, em Palhoça, é ocupado majoritariamente por famílias e comércios tradicionais da região. Crianças brincam em pracinhas, senhoras fazem caminhadas matinais e jovens andam de mãos dadas. Na esquina de uma rua não muito movimentada, anexa a uma barbearia, está localizada a Sulvideo Locadora, com estantes lotadas de filmes, pôsteres de sucessos e objetos que referenciam obras do cinema. Em um cenário onde os serviços de locação de DVDs estão praticamente extintos, a Sulvideo se mantém como a última locadora da região metropolitana de Florianópolis, proporcionando uma experiência nostálgica para quem procura reviver os tempos em que o aluguel de filmes era parte do lazer.

A Sulvideo resiste ao tempo como um ponto de encontro entre cinéfilos, nostálgicos e curiosos. Para quem viveu essa cultura, o ato de escolher um filme na locadora era especial. “Fiz amizade com o dono e com os funcionários do estabelecimento que eu frequentava. Sempre conhecia muitas coisas através das recomendações”, conta Nicolas Castro Macuco, estudante de Física na Universidade Federal de Santa Catarina e colecionador de DVDs. 

O filme mudou, o roteiro também

O mercado de locação de filmes, que viveu seu auge entre as décadas de 1990 e 2000, teve uma grande queda com a chegada das tecnologias digitais. A popularização de serviços como Netflix, Amazon Prime e Disney+ mudou a forma como as pessoas consomem o audiovisual. “Com o streaming e mídias que, porventura, estavam liberadas de maneira gratuita na internet, o público passou a ter fácil acesso ao conteúdo e parou de procurar por videolocadoras”, afirma Fernando Crocomo, jornalista especialista em convergência digital e novas tecnologias.

Na Grande Florianópolis, o impacto foi evidente. O que antes eram centenas de estabelecimentos, hoje se resume a apenas um: a Sulvideo Locadora. “O impacto dos streamings foi significativo. Antes dos streamings, tinham as TVs a cabo. Antes das TVs a cabo, tinham os DVDs piratas. O streaming foi a última pá de cal em cima das lojas de aluguéis de filmes”, explica Vânio Cesar Marian, proprietário da Sulvideo há 22 anos. 

A resistência do comércio de Vânio se explica não apenas pela fidelidade dos clientes, mas também por adaptações feitas ao longo dos anos. Manter o negócio aberto exigiu criatividade e reinvenção constante. “Hoje eu trabalho com informática, perfumaria, vendas de DVDs na Shopee e uma infinidade de coisas, porque foi ficando inviável ter só locadora”, conta. Segundo Vânio, a queda no movimento aconteceu gradualmente, mas não passou despercebida. “As pessoas não quiseram mais levar sete filmes, só três. Não vinham quatro, cinco vezes na semana, só no final de semana”.

A experiência de Vânio não é única. Valdirene Huntermann foi dona da lan house e videolocadora Dalvino no final dos anos 90 e início dos 2000, em Santo Amaro da Imperatriz. Ela também precisou encontrar alternativas para manter o negócio funcionando. “Comecei a vender produtos de papelaria. Vendia de tudo para poder agregar. Quando eu percebi que realmente não dava mais lucro, passei de locadora para mercadinho”. 

Mesmo com todas as transformações, Vânio mantém seu negócio ativo e procura formas de se manter no mercado. “Hoje em dia ainda tenho o meu público. Além de comercializar na Shopee, que é ótimo porque é para o Brasil inteiro”.

Rebobinando a história

30 anos após a inauguração, a Sulvideo Locadora, em Palhoça, continua de portas abertas, motivada pela nostalgia e pelo estabelecimento como um espaço de socialização. O ambiente com prateleiras repletas de DVDs é um convite para revisitar memórias de quem passa na frente do local. “Há um mês, um casal de jovens veio aqui. Ele contou para a namorada que iria levá-la onde locava filmes, e ela nunca tinha entrado em uma locadora. Eu ofereci um filme para comprar, mas ele quis locar como antigamente, para mostrar para ela”, conta Vânio.

Não é apenas sobre alugar um DVD, mas sobre percorrer os corredores, julgar um filme pela capa e pedir recomendações. Proprietários e frequentadores defendem o valor da curadoria humana e da experiência física de escolher um filme em meio ao imediatismo. “Tem uma imensidão de conteúdos no catálogo de streamings que você fica perdido e desiste de assistir. O benefício de vir na locadora era pegar a capa do DVD, ler a sinopse, conhecer pessoas e perguntar a opinião delas. Agora eu vou ter que me virar? Entro num catálogo eletrônico, tenho que apertar o play e ver se o filme é bom”, diz Zelito, frequentador da Sulvideo. Os estabelecimentos não eram só espaços culturais, também funcionavam como pontos de encontro. “Vem gente pra tomar uma cerveja, se encontrar com os amigos, locar os filmes e conversar sobre cinema. É o local ideal”, relata Vânio.

Diferentes dos algoritmos das plataformas digitais de vídeos, os funcionários de locadoras faziam uma curadoria dos DVDs, recomendando títulos baseados no gosto de quem entrava na loja. “Os clientes me ligavam e falavam: ‘Vânio, separa 5 filmes para mim que eu vou ir buscar’. Eles nem sabiam quais eram porque confiavam em mim e sabiam que eu conhecia o gosto de cada um deles”.

(Foto: Maria Eduarda Assmann)

Locadoras à venda (não só os filmes)

Manter uma videolocadora no século da tecnologia é desafiador. A baixa demanda, somada ao aumento de custos operacionais, como aluguel e manutenção do acervo, cria um cenário de dificuldades para os proprietários dos poucos estabelecimentos que resistem. Vânio, dono da Sulvideo, conhece essa realidade — “É uma época complicada porque nós disputamos com filmes piratas, programação de internet, TV a cabo, e os streamings. O que eu fiz? Agreguei vendas de vários produtos”.

Promoções eram feitas para movimentar o financeiro da Sulvideo, como alugar um DVD, entregar 4 horas depois e ganhar um do acervo. “Era benéfico para ambos os lados. Quem locava iria assistir um filme e ganhar outro. Eu teria a chance de locar o DVD novamente no mesmo dia”, conta Vânio. A única locadora que resiste na região metropolitana de Florianópolis permanece ativa porque não ficou exclusivamente vendendo mídias físicas, e ampliou os produtos comercializados. “Muita gente passa na frente da loja e pede para entrar, para tirar foto e postar no Instagram. Por favor, façam isso. Eles me perguntam, como eu ainda estou com a loja aberta, essa é a magia do negócio: o nicho de coisas que eu vendo”.

Cinema de prateleira, memória de aluguel

Diante de um cenário cada vez mais digital, o futuro das locadoras é incerto. A resistência de estabelecimentos como a Sulvideo é vista como um último resquício de uma era que ficou para trás. A aposta na nostalgia é um dos pilares que ainda sustentam a videolocadora. A pergunta que se faz é até quando essa memória afetiva será suficiente para manter o negócio. “Isso é um mistério, e os meus clientes vão me dizer. A partir do momento que não for rentável, eu sou obrigado a fazer alguma coisa”, conclui. Em tempos de imediatez, a prática de escolher um filme fisicamente, levar para casa e devolver no dia seguinte desafia a lógica da conveniência digital. Mas talvez seja exatamente esse o charme que mantém a Sulvideo viva: o resgate de um hábito esquecido, um espaço em que o cinema é tratado com cuidado e respeito.

O estudante Nicolas compartilha dessa visão: para ele, o fim das locadoras significaria o término de uma forma de conexão física com o audiovisual. “Ter um filme físico em mãos me traz sensações boas. Tenho um apego nostálgico, já que ter DVDs é algo presente na minha vida desde criança”, diz. Vânio Marian mantém o otimismo. Enquanto houver filmes nas prateleiras e clientes entrando pela porta, a Sulvideo Locadora seguirá resistindo. “Eu continuo fazendo isso porque eu gosto de atender o público e sou apaixonado por cinema. Enquanto eu puder mantê-la aberta, vai continuar”.


Reportagem produzida na disciplina de Linguagem e Texto Jornalístico III, sob a orientação da professora Jéssica Gustafson Costa


Adrielli Duarte

Estudante de Jornalismo na UFSC. Gosta de filmes, livros de suspense e musicais.

Maria Eduarda Assmann

Estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina. Apaixonada por música, filmes e viagens.

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