Sinal de vida

Crônica por Juliana Carvalho

Ilustração por Isadora Alves.

Mãe: Bom dia, filha querida. Deus te abençoe. 

Conferi minhas notificações e deixei o celular de lado. Precisava me arrumar para a aula, às pressas. Não voltei a olhar para a tela nesse meio tempo. Vivo correndo e as pequenas pausas que dou são dedicadas para pequenos prazeres: um café, Tiktok, um tempo no Instagram. 

Mãe: Eii, psiu. Cadê você? 

No momento estava no meio do estágio. Peguei o celular para responder, mas me distraí com algum pedido do meu chefe. Não vi o tempo passar e cheguei em casa cansada, sem cabeça para conferir o celular. Pedi um cachorro-quente por delivery, fiz minhas tarefas, jantei e dormi — nessa ordem. 

No dia seguinte, repeti a rotina. Me lembrei da mensagem depois do almoço e vi que tinha uma nova me esperando, junto com uma ligação. Ah, ela podia estar preocupada. Eu precisava entrar no ônibus, então mandei uma resposta rápida.

Eu: Ontem foi uma correria, desculpa a demora. Te amo.

Assim segui meus dias. Em meio à pressa, vez ou outra me esquecia de enviar um sinal de vida – sentia cansaço – me lembrava – mandava uma mensagem – ia para a faculdade – ia para o estágio – fazia uma ligação de vídeo – resetava o ciclo. Até que certa manhã a mensagem de ‘bom dia’ não veio. 

Quando me dei conta, parei de mexer no computador e peguei o celular. Abri a conversa e verifiquei que nossa última interação foi às nove da manhã do dia anterior. Fazia mais de 24 horas. Mandei uma mensagem. 

Eu: Oi mãe, bom dia! Tudo bem com a senhora?

Apenas um tracinho apareceu na tela. Esperei pelo segundo, mas ele não veio. Por que ela estaria sem internet? Será que desligou o celular? Será que roubaram o celular dela?

Abri os contatos e procurei o seu número na lista de salvos. Ela só precisava de rede para receber ligações, então poderia atender, certo? Se estivesse bem, iria me atender. Ouvi o bipe da chamada. Uma, duas, três, quatro vezes. Na oitava já estava roendo a unha do dedão. Onde se meteu essa mulher? 

Respirei fundo, me obrigando a organizar os pensamentos. Meu chefe estava na sala, então ponderei enquanto fingia que lia algo no computador com muita atenção. Minha mãe não tinha motivos para não me dar bom dia em uma manhã comum. Não era feriado e nem aniversário de ninguém da família e, que eu soubesse, não tinha nenhum evento que ocupasse o seu tempo a ponto de ela não ter um espaço para me mandar um sinal de vida. 

Decidi ligar de novo, mas a nova tentativa também foi mal sucedida. Era hora de apelar para minhas armas mais fortes. Mandei mensagem para minhas tias. Não falava com elas havia mais de um mês, mas era uma emergência, então poupei palavras com todas. 

Eu: Oi tia, bom dia! Tudo bem? Sabe onde está minha mãe? Ela não está respondendo e não atende o telefone. 

Tia: Oi querida, não sei não. Vou tentar falar com ela e te aviso. 

Agora precisava esperar, mas esperar era uma tortura. As horas passavam e não conseguia me concentrar por muito tempo no trabalho. Saí do estágio com a produtividade baixa de um dia ruim e tive o mesmo desempenho na faculdade. Ao final da tarde, já havia incomodado metade da minha família, mas ninguém sabia o paradeiro de minha mãe. 

Por fim, acionei meu irmão. Deixei ele por último porque reconhecia que era pior que eu: às vezes, demorava cinco dias para responder um ‘bom dia’. Era tão ruim que minha mãe me fez prometer, antes de me mudar de cidade, que nunca seria como ele. Até então estava conseguindo cumprir minha promessa, meus sumiços nunca duravam mais de quarenta e oito horas. 

Eu: Oi maninho, falou com a mãe hoje? 

Enviei a primeira mensagem sabendo que a resposta seria negativa. Quando ele confirmou minhas suspeitas, contei:

Eu: Ela não responde e nem atende ligações o dia inteiro. 

E foi o suficiente para fazê-lo ficar tão preocupado quanto eu.  Começou querendo perguntar se minhas tias tinham notícias, mas avisei que já havia tentado e não deu em nada. Ligou e não foi atendido. Mandou mensagem para minha avó, que o respondeu com um ‘não’ e uma foto de uma oração. Passou por toda a procissão que eu passei até acabar no mesmo ponto torturante: a espera. 

Quando cheguei em casa, perto das sete da noite, já estava considerando acionar a polícia. O que uma senhora de 54 anos pode estar fazendo sem internet o dia inteiro? Só imaginava um sequestro, um derrame ou coisa até pior. Fiquei insone com meu pessimismo — o caminho que minha mente sempre segue quando a deixo livre —, e senti raiva de mim por não conseguir ser mais tranquila e relaxada. Mas não há o que fazer, é só ler meu histórico de crônicas para notar minha inclinação para tragédias. 

De repente, mais ou menos às dez da noite, recebi uma notificação. 

Mãe: Oi filha linda, boa noite, Deus te abençoe. 

O alívio da mensagem se misturou com a raiva. Respondi com as mil perguntas que rondaram minha cabeça durante o dia. Onde ela esteve? Por que não tinha internet? Por que não me avisou antes?

Mãe: Eu fui na praia e a bateria do meu celular acabou, voltei agorinha. 

Simples assim. Um dia de buscas reduzido a uma explicação de uma linha. Pedi para que ela nunca mais sumisse e fui dormir. 

No dia seguinte, acordei com a mensagem usual de bom dia. Respondi no mesmo instante.


Juliana Carvalho

Estudante de Jornalismo na UFSC, apaixonada por viver mil vidas em uma por meio da leitura e da escrita.

Isadora Alves

Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e apaixonada por quadrinhos.

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