Kalil de Oliveira
A Orquestra Filarmônica Catarinense (OFIC) apresentou, na noite da última quarta-feira (13), o concerto Noite Transfigurada, no Teatro Ademir Rosa. O programa incluiu a composição homônima de Arnold Schoenberg e a Serenata para Cordas Op. 48 em Dó Menor, de Piotr Tchaikovsky.
A escolha das obras, no ano em que se comemoram 150 anos do nascimento do austríaco, oxigena o cenário orquestral de Santa Catarina ao sair do óbvio. De acordo com o grupo, foi a primeira vez que Noite Transfigurada foi interpretada no estado.
Com complexidade acima do nível das orquestras catarinenses, a OFIC conseguiu expressar a dramaticidade das complexas relações humanas que, sensivelmente, Schoenberg compôs aos 25 anos. Ainda em sua fase romântica, o compositor se inspirou no poema de Richard Dehmel, que narra a tensão entre um casal. No texto, a mulher conta ao namorado que está grávida de uma relação anterior. Contrastando com o temor dela, o homem acolhe a criança, prometendo assumi-la como filha. O músico imprime, assim, com exatidão, através dos sons, sentimentos como culpa, tensão, e descrições, como o inverno, que nos chega angustiante através da harmonia tensa.
A polifonia fala por si só. Se a plateia estivesse com os olhos vendados, conseguiria imaginar a situação. Mesmo assim, a correta ausência de regente fez com que os músicos precisassem manter diálogo corporal e visual ao longo da performance. Essa dança colaborou com a interpretação. Santa Catarina costuma ter corpos orquestrais muito rígidos. A presença limitada de maestros em formações de câmara condiciona os instrumentistas ao básico. O spalla da OFIC conduziu com destreza os colegas, fazendo a orquestra atingir um nível que se escuta no estado apenas quando recebemos formações de fora.
No entanto, a utilização de recursos visuais poluiu o concerto e atrapalhou a apreciação destes elementos. Ao longo de Noite Transfigurada, o telão do Centro Integrado de Cultura exibia o diálogo do casal em uma caminhada noturna pela neve, enquanto a poesia de Dehmel passava abaixo – quem estava nas fileiras iniciais não podia ler. Acontece que o resultado pareceu um filme de época da Barbie montado em inteligência artificial. Na “Serenata”, viam-se estrelas em uma galáxia, mas eram imagens também computacionais feias. Caso quisesse ilustrar a apresentação, o grupo poderia ter usado pinturas do mesmo período. Os recursos visuais pobres contrastaram com a excelência das composições.
Mesmo que tivessem utilizado imagens melhores, teria sido um erro. Em O Caso Wagner, Nietzsche argumenta que o compositor alemão se valia de excessivo sentimentalismo e apelo às massas para embriagar a crítica. Isto é, as obras de Wagner teriam elementos desnecessários e intensos, tornando a emoção óbvia. Quando a OFIC exibe cenas em um Power Point, o resultado é o mesmo. A música deveria bastar.
Há um apelo, do popular ao erudito, pela ideia da “experiência” no sentido mais “marketeiro” possível. Não basta consumir um produto, é preciso que ele permita que o consumidor experiencie algo. Popularizou-se, então, a marca “Candlelight”. São recitais à luz de velas nos quais o programa não importa, mas sim a possibilidade de produzir conteúdos para o Instagram. É comum, nessas performances, que os músicos transitem de Coldplay a Vivaldi. A OFIC, nova orquestra que tem apresentado concertos de alta qualidade, não deveria cair nessa armadilha.
Por fim, a escolha do programa foi bárbara. Antes de se tornar o pai do dodecafonismo, Schoenberg compôs sob a égide do romantismo. Também muito sentimental e dramática, a “Serenata para Cordas”, já muito tocada em Santa Catarina, mantém um equilíbrio estético fundamental.
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