A cada dois meses lembro de checar a caixa de correio. Com tudo direto no e-mail, já até sei o que vou encontrar lá dentro. Um panfleto de alguma nova loja das redondezas, os boletos do condomínio e um cartão de visitas de um certo marido de aluguel. Mas dessa vez tem novidade: uma carta, ou melhor, uma folha sulfite branca dobrada em quatro com uma mensagem impressa.
Ao que parece, uma moradora do meu condomínio não estava conseguindo descansar por causa do cacarejo de um galo da casa vizinha e resolveu mandar um apelo a todos os moradores do prédio para que denunciassem o animal. A carta continha nome completo da dona do galo e de seu filho, endereço e CEP da residência e, claro, o número do Ibama e da polícia para a denúncia. A moradora implorava:
Por favor vizinhos, se todos cooperarem com a denúncia é mais provável que tomem alguma medida. Já liguei inúmeras vezes e nada se resolve. Conto com vocês.
A reclamação tem fundamento, o animal tem hábitos peculiares, bem diferentes de um galo de fazenda — apesar de nem a ciência estar em consenso sobre o porquê destes animais cantarem. Em dias quentes, o cacarejo começa cedo, lá pelas 6h30 e intercala o silêncio com seu canto até às 11h. Durante a tarde é quando está mais ativo, acompanha o café da tarde quase como se reivindicasse um pedacinho de bolo de milho. Já nos dias de chuva, parece que o galo deixa de existir, além de não ouvi-lo, também não é possível vê-lo da varanda.
Assim como a vizinha, logo que me mudei desejei inúmeras vezes que o galo sumisse. Imaginei um frango assado ou uma boa canja nos dias mais frios do inverno. Mas acontece que o galo é tratado como se fosse de estimação pela senhora que mora naquela casa, no centro do bairro Trindade. E se a polícia ou os ambientalistas chegarem a averiguar a situação provavelmente vão se deparar com uma mulher idosa apegada ao seu pet.
São tantos os outros barulhos da rua principal do bairro que o canto de galo traz um pouco de bucolismo para o dia a dia. As buzinas, freios impacientes, discussões de trânsito, latido de cães e até a máquina de lavar ligada de meu próprio apartamento são mais aborrecedores que os sons daquele animal nem um pouco adaptado à cidade. O fato é que sua companhia se tornou tão rotineira que o encaro como uma trilha sonora nada usual.
Li pela terceira vez a mensagem da vizinha incomodada, amassei o papel e joguei fora. Há alguns meses atrás não pensaria duas vezes antes de fazer a denúncia, mas agora sua presença sonora traz conforto e compõe o que chamo de lar. Pode ser que daqui a um tempo minha vizinha também entenda esse sentimento.
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