Pedro Henrique Ribeiro Gonçalves
Paris is burning é um filme documentário estadunidense de 1990, não-ficcional, escrito e dirigido por Jennie Livingston. A obra é colorida, tem 1h16min de duração, possui classificação R e foi produzida pela BBC Television, Art. Matters Inc. e Edelman Family Fund. O orçamento estimado foi de US$ 500.000, havendo um faturamento de aproximadamente 4 milhões de dólares. O filme recebeu diversas premiações, tanto no âmbito nacional, quanto internacional.
O documentário é esplêndido, por sua pertinência e atualidade, retratando a cena ballroom nos EUA, na década de 1980, com enfoque em gênero, classe e raça. As dificuldades enfrentadas pelas estrelas da obra ainda são vigentes para milhares de travestis e mulheres transexuais, que, historicamente, têm suas existências restringidas às periferias, teatros, boates e territórios de prostituição (Oliveira, 2018). Entram em cena temas importantes como transição de gênero, transfobia, homofobia, racismo, classismo e branquitude.
Comumente na academia, existem momentos para se discutir, separadamente, gênero, raça, classe, dentre outros marcadores sociais, o que invisibiliza múltiplas vivências. Mas, Paris is burning navega nas águas da interseccionalidade, demonstrando que as diversas formas de opressão se agregam (Gaard, 2011), produzindo sujeitos com vivências específicas, mesmo no contexto da comunidade queer.
A estética da obra é noturna e bem iluminada, evidenciando os espaços de performance das drag queens, mas também demonstrando os efeitos do poder biopolítico do regime cis heteronormativo que impõe os espaços e papéis sociais a serem ocupados por travestis e mulheres trans (Oliveira, 2018).
A questão socioeconômica, mais precisamente, o desejo de ascender socialmente, é um ponto intrigante trazido pelas personagens — o desejo por dinheiro e poder é frequente. Mas, antes de qualquer crítica rasa, vale ter em mente o contexto de produção capitalista hegemônica na atualidade, que normaliza esse desejo e necessidade de “crescer economicamente” e “ser alguém (com dinheiro)”, através das desigualdades sociais. A própria competitividade entre os bailes — “qual é o melhor” — não se dissocia do contexto material de uma sociedade de classes, que se sustenta na busca infindável de superação do “eu” em relação ao “outro”.
Paris is burning é uma das melhores obras cinematográficas que já assisti e, certamente, o melhor documentário. A importância do filme, somada às múltiplas performances e relatos das personagens, tornam a experiência vívida desde o primeiro minuto. A discursividade do documentário retrata não apenas as vivências queer na década de 1980 nos EUA, mas toda a (re)produção biopolítica das ficções masculino e feminino na (pós)modernidade (Preciado, 2023). É certo que, quando a revolução pansexual for enfim concretizada, Paris is burning terá feito parte de seu manifesto.
GAARD, Greta Claire. Rumo ao ecofeminismo queer. Revista Estudos Feministas, v. 19, p. 197-223, 2011.
OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. Por que você não me abraça. Sur- Revista Internacional de Direitos Humanos, v. 15, n. 28, p. 167-180, 2018.
PARIS Is Burning. IMDb, 1990-2024. Disponível em: https://www.imdb.com/title/tt0100332/?ref_=tt_mv_close. Acesso em: 13 out. 2024.
PRECIADO, Paul B. Testo junkie: sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2023.
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