Giovana Zimermann
Essa é a minha percepção; nem sei se Karim Aïnouz inspirou-se no cineasta espanhol, mas as cores, as questões existenciais, o sentimento de desejo e crueza, os vícios e as virtudes me levam a crer que a inspiração pode vir de Almodóvar. Isso também se evidencia pelo protagonismo das mulheres, como Dayana (Nataly Rocha), que parece não ter direito ao destino que deseja, sendo encarcerada no destino escolhido pelo sádico marido Elias (Fábio Assunção), empresário, abusador e voyeur. Além dela, temos a chefe do tráfico de drogas, uma figura atípica, ela é uma artista, uma pintora com sensibilidade e sonhos; nem mesmo ela é desumanizada.
E o que dizer de Heraldo (Iago Xavier)? No princípio, o entendi como ingênuo demais, considerando que ele vinha do mundo do crime. Cheguei a pensar que a montagem poderia tê-lo mostrado dentro do motel antes, para depois apresentá-lo saindo do mundo do crime. Mas isso não diminui sua forte atuação, ao revelar como chegou à criminalidade e como foi protegido pelo irmão das garras do padrasto… tantas histórias semelhantes levam meninos a ocupar as ruas das grandes cidades… Meninos invisíveis. Diferente da delinquência e do delírio de Dadinho (Douglas Silva) do filme Cidade de Deus (2002), que, “revoltado por ter ficado de fora da ‘diversão’, como afirma, vai até o motel para dar o toque final apoteótico. Então, como que tomado por uma força delirante, sai gargalhando com a obra realizada” (ZIMERMANN, 2016, p. 336).
Heraldo empresta sua voz, sua cor e sua ira ao olhar para a justiça (na figura do policial), mas rompe a quarta parede e, por consequência, olha para todos nós. Com os olhos esbugalhados, ele nos conta como a morte o espreitou e continuará espreitando. Nesse momento, ele não é mais apenas o personagem Heraldo; ele representa todos os jovens negros, as maiores vítimas de homicídios no Brasil.
ZIMERMANN, Giovana. Rio de Janeiro e Paris: a juventude apache do cinema na periferia. Rio de Janeiro: Autografia 2016.
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