Ana Muniz
É difícil conhecer as verdadeiras intenções de um artista por trás de uma obra. Hoje, não é incomum no meio mainstream encontrar uma série de artes autoexplicativas, feitas por pessoas que não suportam a ideia de um espectador ter uma interpretação “errada”. Talvez por isso o choque de ver “Um Cão Andaluz” (1929), dirigido pelo espanhol naturalizado mexicano Luis Buñuel, passados 95 anos do seu lançamento, seja tão forte. No meio do que parece ser um sonho sem pé nem cabeça — não poderia ser diferente em uma obra surrealista —, é impossível não ficar desnorteada ao assistir o curta-metragem pela primeira vez.
Encontrar uma narrativa nesse filme pode virar uma tarefa inútil. Principalmente caso o narrador se incomode com a ausência de lógica e linearidade. Em sua cena inicial, com um corte no olho de uma mulher (que eu ousaria chamar de protagonista), o curta alerta o espectador sobre suas características desorientadoras. Não acredite naquilo que vê, não confie em seus sentidos ou na racionalidade — tudo isso pouco importa aqui. O que vem em seguida concretiza o aviso: cenas absurdas, objetos que surgem do nada, avanços e regressos temporais bruscos… Com exceção de personagens e símbolos que se repetem — as mãos, os pelos, a caixa listrada —, não há continuidade narrativa alguma. Não é de se surpreender que Buñuel tenha escrito o roteiro junto a Salvador Dalí, um dos mais emblemáticos pintores da vanguarda surrealista.
Diante disso, qual a relevância de definir interpretações “corretas” ou explicações? Em casos como esse, mais do que nunca, cada um assiste a um filme diferente. Sendo assim, para mim se destacou o único personagem que parece ter alguma consciência do absurdo daqueles eventos: a mulher de cabelos curtos e escuros, a provável protagonista. Independente de quem seja e qual é sua relação com os outros personagens, é evidente que ela vive um verdadeiro pesadelo.
Desde o início, os homens a aborrecem, assustam e abusam. Homens que, inclusive, parecem ser da família. O mesmo homem que recebe seus cuidados após um acidente é seu assediador mais violento. Todos eles (exceto o último, com quem ela termina) parecem malucos, imersos em dramas incompreensíveis. São opressores que se satisfazem com sua infelicidade. Arrancam seus pelos da axila e pregam em seus rostos, reforçando a própria masculinidade. No fim, a pobre mulher parece encontrar um novo homem, que a permite ser feliz. Mas, ainda assim, o desfecho é fatal.
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