Conheça o trabalho do artista que transforma lixo em arte

Mais de 30 esculturas produzidas a partir de resíduos recolhidos em ações de limpeza coletiva estão espalhadas em áreas de convivência da Grande Florianópolis

Camila Borges

Juan Mandala preenche escultura de caranguejo com lixo recolhido em ações coletivas de limpeza. (Foto: Camila Borges)

Cada pessoa produz cerca de 800 gramas de lixo por dia. Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), mostra que, em 2023, foram gerados 2.3 bilhões de toneladas de resíduos sólidos no mundo. Apenas 60% desse lixo é descartado corretamente.

Em Florianópolis, parte desses resíduos é transformada em arte pelo artista Juan Mandala. Ele produz esculturas com materiais recolhidos em mutirões de limpeza coletiva. Essas obras têm como principais temáticas a valorização da cultura local e a preservação da natureza. 

Artista preenche pata do caranguejo com lixo. (Foto: Camila Borges)

Além do lixo, o artista utiliza estruturas metálicas e uma cobertura feita com argamassa e cimento.

Lagarto produzido a partir do lixo recolhido em ações de limpeza coletiva. (Foto: Camila Borges)
É possível ver o interior da escultura preenchida com lixo antes da finalização. (Foto: Camila Borges)
Cobertura da estrutura metálica com argamassa e cimento. (Foto: Camila Borges)
Cobertura da estrutura metálica com argamassa e cimento. (Foto: Camila Borges)

Ao final, as peças são pintadas com tinta acrílica. De acordo com Juan, todo o processo é feito de maneira coletiva. “Uma escultura é como uma tatuagem na paisagem. É algo que fica. Primeiro é necessário que as pessoas queiram construir algo que tenha significado. Vamos dizer que uma comunidade deseje construir um pica-pau. Depois decidimos a forma e depois e então eu faço a metrificação da imagem, como o tamanho do bico, do rabo, da unha… As esculturas são construídas de maneira coletiva, mas algumas coisas eu preciso fazer sozinho, como a finalização com o concreto, que é mais chatinha. A coleta do lixo, a decisão da imagem e o processo da pintura são etapas em que chamamos uma galera”, explicou o artista.

Finalização da pintura na escultura de peixe. (Foto: Camila Borges)

Juan explica que as obras chamam atenção à necessidade de preservação ambiental e possuem a função de valorizar a cultura local. “Nós fizemos uma ação de limpeza coletiva na Praia do Saco dos Limões porque a comunidade de pescadores percebeu que os peixes diminuíram devido ao lixo. Fazer uma escultura a partir dos resíduos recolhidos neste local é uma forma de chamar atenção para a necessidade da preservação ambiental e também uma maneira de valorizar a cultura da pesca tradicional, porque essa prática está em declínio. Os jovens não querem mais saber de pescar”.

As esculturas são distribuídas em espaços de convivência pública como praias, escolas e praças. “O po(l)vo” é uma obra localizada no Pomar dos Ciclistas no Saco dos Limões, em Florianópolis. A peça foi preenchida com mais de uma tonelada de lixo recolhido no local. A forma do polvo faz referência à vida marinha que habitava o local antes do aterro. A escultura também evoca a força coletiva em alusão à força do povo e do coletivo humano.

Escultura “O po(l)vo” localizada no Pomar dos Ciclistas, no Saco dos Limões, em Florianópolis. (Foto: Camila Borges)

O artista

Juan Carlos Xiol, 44, popularmente conhecido como Juan Mandala, é natural de São Paulo e tem atuado na qualificação de espaços públicos a partir da conscientização ambiental na Grande Florianópolis há cinco anos. Ele é fundador do Coletivo Espaço Tempo, uma rede de artistas plásticos que tem como objetivo a construção de estátuas interativas em espaços de uso público. 

O interesse de Juan pela arte começou muito cedo. Ele diz que seu avô, que também era artista, foi sua grande inspiração. “Eu olhava meu avô trabalhando e achava aquilo muito legal. Sempre gostei de fazer modelagem com massinha e argila. Eu também era compulsivo com desenho, fazia caricaturas dos amigos, da professora”. 

Mandala cursou a faculdade de Turismo e começou a trabalhar com educação ambiental e ecoturismo. Ele atuou como professor por mais de oito anos, desenvolvendo projetos em escolas no contraturno, período em que trabalhava a educação ambiental a partir das artes plásticas e da música.

“Em certo momento, eu cismei de fazer um zoológico da Floresta Atlântica com papel machê. Fiz cerca de 50 estátuas. O objetivo era levar conhecimento sobre a importância de preservar a floresta. Depois, doei esse material pro Museu do Lixo e fui morar em Parati. Quando voltei para Santa Catarina, fiquei surpreso ao ver que essa exposição estava na Celesc”. 

“Vi a exposição e percebi que minhas esculturas tinham valor. Parecia que as obras tinham mais valor do que a minha própria presença”.O artista conta que começou a trabalhar com a técnica de ferro-cimento e produziu esculturas de animais para o Zoológico de Balneário Camboriú. “Como o zoológico não pôde mais adquirir animais, quando os bichinhos morriam, eu fazia uma estátua no lugar. Foi lá que eu peguei firmeza, perdi a insegurança e vi que ser escultor poderia levar minha família para frente.”

A ideia de qualificar os espaços públicos da Grande Florianópolis surgiu a partir de uma visita à Mogi das Cruzes, que fica em São Paulo. “Fui para Mogi das Cruzes e vi que alguns artistas locais e um professor universitário tinham mudado a cidade. Eles fizeram estátuas em todas as praças. Isso abriu um portal na minha mente. Então, percebi que Florianópolis é uma cidade tão bonita, mas que tem muito descaso nos espaços públicos. Daí comecei com a ideia de fazer uma arte que tivesse temas. Pensei em resgatar as origens culturais e fazer obras que refletissem sobre o destino que damos aos resíduos”, explicou Juan.

Escultura que representa o curupira sofreu vandalismo. (Foto: Camila Borges)

Um problema enfrentado pelo artista são ações de vandalismo, realizadas principalmente em esculturas que representam figuras folclóricas, a exemplo do curupira que teve os braços quebrados. “Temos uma comunidade bastante conservadora em Florianópolis que depreda determinadas obras por motivos religiosos”, explica.

Juan fala que outro desafio é conseguir apoio do poder público. “Geralmente conto com o trabalho de voluntários e financiamento de empreendedores locais”. De acordo com o artista, a pandemia foi um momento difícil, pois o incentivo governamental ficou estagnado. “Mesmo sem um financiamento do Poder Público, durante a pandemia eu fiz com que a arte acontecesse. Percebi que conseguiria apoio financeiro de comerciantes locais ao dar um espaço de publicidade para esses patrocinadores. O nome deles, então, passou a ficar em uma plaquinha do lado da obra e isso tem funcionado bastante.”

Obras em processo de construção no ateliê do artista. (Foto: Camila Borges)

De acordo com Mandala, seu trabalho “tem a função de, coletivamente, qualificar os espaços públicos com a inserção de objetos a fim de que eles valorizem os seres da natureza e as imagens culturais”. Juan busca que esses espaços possam tomar vida e sejam lugares de convivência, encontro e diálogo. “Através desses encontros, sonho que a gente crie junto uma nova forma de cuidar da nossa cidade, nosso planeta, nosso resíduo e ampliar a natureza que nos cerca”, disse o artista.

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