“Tenho saudade do futuro”: Roberto Menescal e a Bossa Nova

No marco dos 65 anos da bossa, um dos pioneiros do gênero musical relembra a história com o olhar no futuro

Ana Muniz

Em 2024, a Bossa Nova completa 65 anos desde sua “fundação”, oficializada com o lançamento de “Chega de Saudade” de João Gilberto, em 1959 — o primeiro disco desse gênero musical. A bossa se tornou um emblema nacional e gerou uma série de canções memoráveis para o Brasil, como “Garota de Ipanema”, “Águas de Março” e “Desafinado”. O sucesso do ritmo não se limitou ao país: sua popularidade se espalhou pelo mundo.

A maioria dos músicos que encabeçaram esse movimento, como Tom Jobim, João Gilberto, Nara Leão e Vinicius de Moraes, estão mortos. Restam poucos que estavam presentes desde o início. Com 86 anos de idade e 68 de carreira, Roberto Menescal é um desses poucos. O cantor, compositor e produtor é considerado um dos fundadores desse gênero musical. Além de colaborações com outros grandes nomes da música brasileira, como Jobim, Elis Regina e Carlos Lyra, seu repertório possui sucessos como as canções “Barquinho”, “Você” e “Nós e o Mar”.

Na semana passada, Roberto Menescal veio a Florianópolis para apresentar “Bossa Nova 65 Anos” ao lado de Leila Pinheiro e Quarteto na quarta edição da Mostra de Violão Anabá. O show celebrou e revisitou clássicos da bossa na última sexta-feira (14), no Auditório Garapuvu do Centro de Cultura e Eventos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). 

Menescal e Leila Pinheiro têm anos de parceria musical e realizaram mais de 200 shows juntos. (Foto: Alexandre Bergamo)

No mesmo auditório, um dia antes da apresentação, o artista reuniu músicos e fãs da capital para uma roda de conversa. No encontro, falou de sua carreira, dos primórdios da bossa no Brasil, suas interações com outros artistas brasileiros e das suas expectativas para o futuro da música nacional. Após a roda, o Caderno Cultural Expressões convidou Menescal para uma breve conversa sobre os 65 anos de história da Bossa Nova e os caminhos da cena musical brasileira.

Leila Pinheiro, amiga de Menescal há mais de três décadas, participou da roda. (Foto: Ana Muniz)

CADERNO CULTURAL EXPRESSÕES – Este ano, a Bossa Nova completa seus 65 anos e é uma parte fundamental da memória do Brasil. Para você, que acompanhou o gênero desde o início até agora, qual é a importância de manter a Bossa viva no Brasil de hoje?

ROBERTO MENESCAL – Eu acho que ela cumpriu e está cumprindo seu papel, principalmente no exterior. Ela está muito melhor no exterior do que no Brasil. Mas estou sempre esperando que uma coisa nova chegue. Ela está fazendo 65 anos. Chega! Ela vai ficar aí, como o jazz, que já faz 100 anos. Tem que chegar uma coisa nova. Eu estou achando o Brasil muito parado. Não tem mais um movimento como os Novos Baianos, Jovem Guarda, a Bossa Nova, nada… Então, está na hora.

CADERNO CULTURAL EXPRESSÕES – Qual o futuro que você vê tanto para Bossa Nova quanto para música popular brasileira no geral?

ROBERTO MENESCAL – Não vejo. Acho que a mudança vai ser tão grande. Quando você fala em inteligência artificial, você não pode dizer mais nada. Se isso vai funcionar, ninguém sabe. Mas que vai mudar tudo, tenho certeza. Esse silêncio, de falta de coisa aparecendo, é o prenúncio de um novo século, é claro. 

CADERNO CULTURAL EXPRESSÕES – Você trabalhou com a Bossa Nova desde o início até hoje. Com tanto tempo, o que ainda te encanta nesse estilo musical?

ROBERTO MENESCAL – As pessoas. A gente está vindo aqui a convite. Você vai ver as pessoas aqui, como elas vão reagir. A gente está fazendo o show no Brasil inteiro. Manaus, Belém, fizemos no Rio durante um mês, foi muito bom. E a gente está atendendo o que as pessoas pedem. Se eles estão chamando, é porque eles querem saber, querem ver, assim como vocês estão aqui perguntando. Mas eu tenho saudade do futuro.

CADERNO CULTURAL EXPRESSÕES – Você falou que a música popular brasileira está parada atualmente e que não enxerga um futuro para ela. Como você enxerga a música brasileira hoje em dia?

ROBERTO MENESCAL – Estou na parte mais técnica, estou gravando muito. Vejo todo mundo revendo todo esse negócio [a Bossa Nova e a velha MPB] assim: vai passar. Então, deixa eles [a nova geração] levantarem a história. É ruim quando você passa e a história acaba. Mas não, está todo mundo revivendo o que a gente fez. Tem coisa que eu até digo “é mesmo? Isso aconteceu?”. Por exemplo, fiz ontem uma entrevista sobre a Gal Costa. Muito interessante, ela trabalhou comigo durante 15 anos. Mas foi tanta coisa que eu aprendi ali nas perguntas e nas curiosidades do cara. Estou vendo isso e fico feliz. Ao mesmo tempo que eu quero mudança, quero que fique guardado o que aconteceu, a história do mundo. Minha turma toda morreu, morreu todo mundo, então toda entrevista é aqui comigo. São três, quatro por semana. E tudo bem, estou fazendo o meu papel. As pessoas têm mais pressa, eu não tenho pressa nenhuma. Quero saber da história.

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