Cinema brasileiro luta contra mercado elitista e falta de políticas públicas

Para o professor de Cinema na UFSC Henrique Finco, carência de incentivo e recursos são obstáculos para a sétima arte no Brasil

Luiza Feppe

Há 126 anos, em 19 de junho de 1898, Afonso Segreto, italiano radicado no Brasil, gravava as primeiras imagens em movimento do país, na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Nessa fase inicial do cinema nacional, as produções tinham teor documental, com recortes de momentos cotidianos. Filmes narrativos e ficcionais começaram a ser produzidos apenas em 1912, com obras como “Na Primavera da Vida”, de Humberto Mauro e “Limite”, que é o primeiro filme totalmente sonorizado, de Mário Peixoto.

Em homenagem ao marco de Segreto, é celebrado o Dia do Cinema Brasileiro todo 19 de junho no país. Por isso, hoje (19) o Caderno Cultural Expressões destaca entrevista feita com o professor de Fotografia no curso de Cinema da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Henrique Finco, na qual ele fala sobre a fotografia e os recursos do cinema nacional. Para ele, mesmo com uma quantidade abrangente de leis de incentivo, a falta de investimento para a sétima arte predomina no país. A conversa com o professor foi em seu local de trabalho, onde ele parecia se sentir confortável. Com o olhar distante, Finco se permitia analisar as infinitas possibilidades do cinema e se divertia ao falar sobre cineastas italianos e brasileiros.

Finco foi um dos primeiros professores do curso de Cinema da UFSC. (Foto: Arquivo pessoal de Henrique Finco)

REPÓRTER – Como surgiu o interesse de investir no ensino e aprendizado da fotografia cinematográfica?

HENRIQUE FINCO – Na verdade, foi necessidade. Com a fundação do curso de Cinema, com poucos recursos, éramos eu e outro professor, basicamente. A gente procurou outros professores da UFSC que nos ajudaram. Como eu tinha mais experiência com a fotografia, eu fui para essa área.

REPÓRTER – Como se dá o uso da fotografia dentro de um filme?

HENRIQUE FINCO – Ela é muito parecida com a fotografia estática. O que muda muito é exatamente ela ser em movimento. Eu não posso pensar em um fotograma isolado na fotografia cinematográfica, não posso errar também. O controle sobre a luz tem que ser muito maior, quase obrigatoriamente tem que usar aparatos que alteram a qualidade da luz — filtro, rebatedores — refletores para ter essa garantia do que você está filmando seja como você imagina.

REPÓRTER – Como você vê questões técnicas da fotografia cinematográfica dentro dos filmes no cinema nacional?

HENRIQUE FINCO – Aí é que está. Feijão com arroz no sentido de que, pelo tipo de equipamento que a gente dispõe, não são equipamentos muito sofisticados. Se eu quiser fazer uma fotografia como a de “Cidade de Deus” (2002), eu não tenho recurso para isso. É muito caro. Se você ver o filme “Cidade de Deus”, ele tem uma fotografia única. Não existe outro filme brasileiro com esse tipo de fotografia. O tipo de controle que foi usado, o equipamento… Nossa, é uma fotografia caríssima. O fotógrafo Charlone [diretor de fotografia em “Cidade de Deus”], é uruguaio e tem muita experiência em fotografia estilizada. “Cidade de Deus” parece que tem uma fotografia naturalista. Mas não, ela é extremamente estilizada. Isso é raro neste cenário. O cinema brasileiro faz o feijão com arroz, fotografia com inspiração no cinema neorrealista, que ainda é muito forte. A tendência do cinema nacional é não estilizar, é imitar o jeito que a gente enxerga o mundo. Nisso é competente, mas não tem nada de novo.

REPÓRTER – Hoje em dia, existe uma maior preocupação dos grandes diretores internacionais em relação à fotografia dos filmes. Esses diretores usam componentes além da realidade para construir o cenário que contam essas histórias nos filmes. Você tem referências disso?

HENRIQUE FINCO – O mercado internacional é complicado porque existem quatro grandes competidores. Tem os Estados Unidos, Índia, África e Europa, que são os grandes condutores. Cada um tem uma tradição cinematográfica completamente diferente. Então, se você pegar o cinema dominante, que continua sendo o de Hollywood, esses quatro competidores estão com a fotografia cada vez mais estilizada, usam abundantes equipamentos de captação, edição e de criação de imagens, além da inteligência artificial. A gente nem consegue imaginar onde isso vai chegar. Tem grandes fotógrafos que deram uma grande contribuição. Tem um cara que trabalhava com o Fellini [diretor e roteirista italiano], o Giuseppe Rotunno [diretor de fotografia italiano] que era fantástico. Tem filmes dele que marcaram o cinema. O Fellini não filmava filmes na cidade, tudo ele fazia em estúdio. São poucas as cenas que ele fez ao ar livre. Isso é um exemplo de uma fotografia extremamente estilizada, essa parceria deles foi o que permitiu esse tipo de coisa. O Fellini era um diretor muito visual, ele não fazia roteiro, preferia usar o storyboard, fazia grandes painéis e pintava cada cena. É um diferencial também, todos os grandes roteiristas são bons fotógrafos.

REPÓRTER – Tem algum diretor que você admira pelo uso da fotografia em suas obras?

HENRIQUE FINCO – A gente tem um fotógrafo que é referência, o Walter Carvalho [fotógrafo e cineasta brasileiro. Herdeiro do Cinema Novo]. Ele é um patrono de certa forma da fotografia. É uma pessoa muito competente, que sabe usar bem o que tem, no estilo naturalista, mas não sai dessa área. Isso não é um demérito, porque não é algo fácil, simples. Eu acho que aqui no Brasil a grande novidade é o Charlone, que realmente é um ponto fora da curva. Tem um filme que ele fez chamado “O Banheiro do Papa” (2007). Ele dirigiu o filme, usa atores, como em “Cidade de Deus”, não profissionais. A narrativa é uma crônica, então ele usa imagens da televisão também, quase no estilo documentário. Se você comparar os filmes, dá para perceber a competência do sujeito.

REPÓRTER – Qual o seu olhar sobre o investimento, tanto institucional como governamental, no cinema brasileiro?

HENRIQUE FINCO – Isso varia muito. O governo Collor acabou com o cinema nacional. Depois, tem o que a gente chama de “Retomada” com o FHC [Fernando Henrique Cardoso]. Nos governos do Partido dos Trabalhadores, estabilizou. Eu não sou petista, mas foi um momento importante, grande para o cinema nacional. Tanto que depois, nos governos do Temer e do Bolsonaro, não conseguiram acabar completamente com os editais, isenções e uma série de mecanismos que permitiram a sobrevivência do cinema. Uma grande empresa que financiou esses filmes era a Petrobras, mas acabou. Agora existem outros mecanismos, como a Lei Rouanet. O Curso de Cinema da UFSC também vai participar do edital Paulo Gustavo, mas são muitos altos e baixos. Se você analisar qualquer cinematografia mundial, os governos investem pesadamente. Nos Estados Unidos mesmo, praticamente todos os filmes são financiados pelo poder público, embora não pareça. Alemanha, Itália e França também investem muito, eles têm políticas muito fortes de estímulo ao cinema. Fazer um filme sem investimento estatal é difícil, e é uma atividade econômica que emprega muita gente. Aqui no Brasil nunca se chegou a ter uma política fixa de cinema. Dependendo do governo varia esse incentivo.

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