⁠Em busca do caminho para viver da escrita

A influenciadora e autora Bianca Jung prepara continuação de sua trilogia mais de um ano após o primeiro livro se tornar um best-seller

Juliana Carvalho

É comum se deparar com nomes exóticos por escrito e acabar lendo-os como se imagina.  Ao soltar a voz, a pronúncia é um chute e dificilmente se acerta. Bianca Jung tem um sobrenome assim. A leitura poderia seguir da forma como se escreve, Jung, ou ainda numa versão estrangeira,  Djiung. “Nem um, nem outro”, diz ela, rindo e acabando com o jogo de adivinhação. “Se pronuncia ‘Yung’, vem do alemão”.

Bianca Jung (lê-se Yung) hoje trabalha com e para os livros. Aos 28 anos, é influenciadora literária, escritora de fantasia Young Adult (YA) e funcionária da editora tradicional Qualis em Florianópolis. Segundo ela, seu objetivo é conseguir viver apenas de suas publicações e todo o seu caminho foi e continua sendo pensado para alcançar esse sonho. Uma parte dele já ganhou o selo de realizado: ver sua obra nas prateleiras de leitores de todo o Brasil. 

Bianca é gaúcha, mas foi em Santa Catarina que começou sua carreira como escritora. (Foto: Weliton Soranzo)

“O Veneno na Montanha”, primeiro livro de uma trilogia, foi lançado em julho de 2022 pela editora Qualis e vendeu mais de 2500 exemplares. A história gira em torno de Kalina, uma garota misteriosa que precisa recuperar algo na prisão mais temida de todos os reinos, então comete um crime planejado para ser presa.  Quando entra, começa sua busca e descobre muito mais do que esperava encontrar. Hoje, quase dois anos depois do lançamento, o livro conta com mais de mil avaliações no Skoob (rede social de leitores), reunindo uma nota pública de 4,3 de 5 estrelas. A trajetória da publicação veio a partir de um entendimento do mercado editorial que levou Bianca a criar o perfil @bibilendo no Instagram e na Twitch, onde tem 57,8 mil e 20 mil seguidores respectivamente. “Desde o começo mantive o foco dos conteúdos voltado para literatura fantástica, fazendo reviews honestos de livros e sempre dando visibilidade para autores nacionais. Eu queria reunir um público que gostasse do mesmo gênero que eu escrevo, porque assim as editoras saberiam que tem gente interessada em comprar o que eu publico”.  

Natália Vanelli, amiga de Bianca, a acompanha desde antes de “O Veneno na Montanha” começar a ser escrito. A primeira vez que se encontraram foi em 2016, em uma aula de basquete optativa na faculdade. “Ela estava lendo um livro de uma saga que eu amo, então fui puxar assunto. A partir daí começamos a ficar muito juntas, eu sempre a vi como muito sonhadora e ambiciosa”. Após o primeiro contato e a aproximação das duas, Bianca começou a compartilhar seu sonho de ser uma autora com a amiga, contando para ela as histórias que criava na própria cabeça. “Eu, como leitora, ficava pensando ‘cara, essa guria é muito, muito criativa’. Ela criava rotas, sabe, não dava ponto sem nó. E não é só para os livros, mas tudo na vida. Ela se organiza, coloca as metas, calcula o caminho e faz”. 

Após o sucesso nacional do primeiro livro, a continuação que está por vir é muito aguardada pelos leitores, que comentam a ansiedade na página de compra da Amazon, no Skoob e nos stories do Instagram da autora. O planejamento da segunda obra da trilogia está completo em uma das dezenas de planilhas organizacionais em seu Excel. Ao abrir o programa, ela mostra o enredo do novo livro, dividido por pontos da trama que seguem um pouco a concepção da Jornada da Heroína (uma releitura do ponto de vista feminino da fórmula ‘Jornada do Herói’). Enquanto explica seus métodos, solta vez ou outra o nome da nova obra, mesmo que na época ainda fosse um segredo. Hoje, já anuncia o título nas redes sociais, junto a algumas novidades sobre o seu próximo livro: “O  Chamado do Abismo”. 

“Uma trilogia que me marcou e me inspira como autora é ‘Jogos Vorazes’. Ela traz essa questão do jovem lutar e ir atrás da mudança. Então até hoje eu me lembro muito de quando li e me senti inspirada. Pensava tipo ‘a juventude vai mudar o mundo!’. Nas minhas histórias tento trazer isso”, conta Bianca. Mas, antes de que as ideias ganhassem forma no papel, a sua própria história precisou ser escrita. 

As três caixinhas

Na tela do computador, planilhas e mais planilhas, cada uma com seu propósito. Podem ser para controle de horas e de palavras escritas, para organizações de tramas ou para calendários de postagens. Na agenda sobre a mesa de trabalho, os dias da semana marcados com os compromissos para evitar o esquecimento. Naquele dia, uma folha de papel lisa se tornava o novo rascunho de pautas para a reunião que teria mais tarde. Todos os detalhes organizados em colunas divididas em tópicos. Bianca é metódica com as produções das suas histórias e com o planejamento dos seus dias. “De manhã, tenho o tempo reservado para mim. Como o meu último livro quase me deu um burnout, agora faço essa preparação antes do meu dia começar. Vou para a academia, tomo um café, leio as notícias e respiro. Depois, começo”.  

O hábito de anotar tudo faz parte de sua rotina, para não correr o risco de deixar com que escape de sua mente. Logo após a reunião das pautas, quis tomar um café. Foi até a copa da editora, serviu o café em uma xícara mas, quando foi colocar o açúcar, não o encontrou. Decidiu então ir pegar um capuccino na cafeteria alguns andares abaixo da editora, já que ele vinha com a medida necessária de doçura. Quando voltou com o pequeno copo fumegante em mãos, seu colega de trabalho perguntou: “Deixou o café para esfriar?”. Ela esqueceu aquela primeira xícara cheia em cima da mesa. O pessoal do escritório deu risada. “Ai, Bianca, isso é tão sua cara”. Ela concordou, como se não fosse a primeira vez que acontecesse. 

Em meio aos esquecimentos, a organização é uma estratégia fundamental e seguida à risca. “Me divido em três caixinhas: A Bianca influenciadora digital, a editora-assistente da Qualis e a escritora. Minha psicóloga diz que não é para eu fazer isso, mas é assim que consigo me organizar”. Dissecando essa divisão às origens, sua versão escritora nasceu quando tinha 15 anos. Inspirada, após muitas leituras fantásticas, decidiu que queria ser mais que uma espectadora dos mundos que acompanhava. Sentou em um computador antigo que tinha em casa e começou a escrever, sem saber direito o que estava fazendo e onde queria chegar. 

Sua mãe, Silvana Jung, afirma que a filha foi incentivada a ler desde criança, mas só encontrou o amor pela escrita no durante a faculdade. “Desde pequena a gente levava elas nos sebos onde vendem livros usados. Começou com gibis, depois livros de romance, mas ela ama livros de fantasia. Sempre incentivamos ela a fazer o que gosta”. Bianca, por sua vez, diz não ter recebido muito incentivo dos pais quando adolescente. “No Brasil, é muito difícil viver como escritor, então não é toda a família que vai apoiar essa decisão. Eu não tinha apoio dos meus pais para escrever, mas para ler tinha muito”. 

Mesmo com a sua conexão forte com as narrativas ficcionais, ao passar dos anos, se afastou delas. No Ensino Médio, na preparação para o vestibular e na faculdade, foi difícil dividir a atenção com momentos de lazer. Quando chegou na quarta fase do seu curso de Jornalismo na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), se sentia cansada e procurava uma zona de conforto. Assim, voltou para a literatura fantástica, chegando a ler até cinco livros por mês. A partir de então, a vontade de escrever ficção retornou. “Quando estamos dentro do Jornalismo, passamos por várias fases tentando descobrir o que queremos fazer. Entrei querendo Jornalismo de moda, descobri que não era para mim. Depois pensei em assessoria de imprensa, comentarista e, por fim, no meio tradicional. Mas nenhuma das opções me deixava com certeza de que eu estava onde queria estar. Foi aí que decidi pegar uma cadeira optativa do curso de Cinema chamada ‘Escrita Criativa’”. Nessa disciplina, a escrita ficcional é incentivada e são feitos exercícios semanais para aflorar a criatividade e trabalhar as habilidades narrativas. Bianca se encontrou ali e reviveu a paixão da adolescência pelo hobby que havia deixado de lado anos atrás. 

O retorno dessa vocação aconteceu junto com o início do seu estágio na Qualis. Hoje formada, atua ali como editora-assistente efetiva. A volta do interesse na escrita junto à oportunidade de entender melhor o mercado editorial profissionalmente, resultou no plano traçado para conseguir alcançar o objetivo de ser escritora. Além de participar de concursos de contos para antologias da Qualis, em 2020 criou um Instagram para reunir seu público, o @bibilendo.

Apesar de que procura separar-se em diferentes caixinhas, elas estão mais conectadas do que aparentam. A versão da Bianca escritora não se sobressairia sem a Bianca influenciadora, que não se destacaria sem a Bianca editora-assistente. Todas coexistem sem disputar espaço. Todas se fortalecem. 

Bianca Jung autografando seus livros para leitores. (Foto: Juliana Carvalho)

Agora, Bianca autografa o próprio livro com dedicatórias motivacionais, incentivando nas outras pessoas os sonhos que um dia teve. Após uma palestra oferecida em um evento da Ordem de Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB-SC), vai para o estande na parte externa do auditório, onde se forma uma pequena fila de pessoas interessadas no seu trabalho. Cada uma delas, ao comprar o livro e esperar pela dedicatória e a foto, conta um pouco da própria história. “Quero levar esse livro para o meu filho, ele ama ler fantasia”, “Parabéns pela palestra, fiquei super interessado no seu livro”, e até “Sempre tive o sonho de escrever, ver sua história me inspira”. 

Bianca teve diversas portas abertas por condições que a ajudaram a alcançar seu sonho, como cursar Jornalismo e estagiar em uma editora. Ainda assim, seu estudo e dedicação foram cruciais para que chegasse no momento que vive hoje, onde faz milhares de leitores continuamente se questionarem: Jung? Djiung? 

Não, Yung

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Últimas publicações