Cecilia Guedes*
“A Cantora Careca” (1950) de Eugène Ionesco é uma das peças que marcaram o início do chamado “Teatro do Absurdo”, expressão criada pelo crítico húngaro Martin Esslin (1918 – 2002), no fim da década de 1950. Durante o contexto de depressão e incerteza gerado pela Segunda Guerra Mundial, surge um movimento que reagia contra o realismo, usando como recursos as situações banais, o abandono dos instrumentos racionais e as construções repetitivas, sem sentido e absurdas para tratar da incomunicação e desolação do homem moderno.
Eugène Ionesco, renomado escritor e dramaturgo romeno-francês, autor da peça, foi um dos principais representantes do Teatro do Absurdo. Retratava em seus enredos, de maneira explícita, a solidão do ser humano e a insignificância de sua existência. Uma constante do teatro de Ionesco é a comicidade baseada mais no absurdo do que no significado.
Com “A Cantora Careca” não foi diferente. Definida pelo autor como “anticomédia” ou “antiteatro”, a peça rompe com o modelo de texto preestabelecido, pois não há começo, meio e fim, ou a ideia de uma “moral da história”. Todo o enredo gira em torno dos diálogos cotidianos entre o casal Smith, o casal Martin, Mary, a empregada, e o Capitão dos Bombeiros. É apresentada no Théâtre de la Huchette, em Paris, desde 1957, onde é descrita como “uma autópsia da sociedade contemporânea através dos comentários ridiculamente banais feitos por dois casais”.
Não se trata de uma trama linear, mas de uma sequência de narrativas inesperadas e diálogos que aparentam carecer de qualquer lógica. Muitas vezes, o comportamento dos personagens ocorre sem nenhuma motivação ou intenção. Nem mesmo o título remete a algum acontecimento relevante na trama, dado que a cantora não aparece em momento algum e só é mencionada em uma frase do texto.
Apoiada nas críticas e ironias dirigidas à hipocrisia e à monotonia da burguesia inglesa, bem como à falta de comunicação e superficialidade nas relações, a peça é repleta de clichês. Nela, Ionesco evidencia o intenso processo de massificação pelo qual a sociedade passava e ainda é tão presente atualmente, em que o sujeito é anulado, ou melhor, o indivíduo não mais desfruta do direito à sua própria jornada pessoal. A crítica se exemplifica na cena em que todos os membros de uma família se chamam Bobby Watson, sendo impossível identificar quem é quem.
Se eu não sei quem sou, como poderei me comunicar com o outro? Atrelado a este questionamento, o enredo provoca um constante sentimento de desorientação diante da queda de certezas que se tem como absolutas, exatamente pelo fato de nenhum personagem realmente compreender o outro. Até chegar um momento em que nenhuma palavra ou frase proferida tem lógica. São apenas sons, onomatopeias e trava-línguas sem conexão. Por possuir uma estrutura circular, característica do Teatro do Absurdo, após progredir apenas para uma crescente intensificação da situação inicial, a peça termina exatamente como começou, porém, com o outro casal em cena.
*Estudante da terceira fase do curso de Artes Cênicas na Universidade Federal de Santa Catarina, produtora do curta-metragem “Minha Obra Prima”.
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