Luiza Cidade Souza*
Em 1987, o dramaturgo romeno Matéi Visniec (1956) escreveu o texto “O Último Godot”, em homenagem a “Esperando Godot”, obra-prima do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, com uma narrativa distinta da original. No enredo de Beckett, dois personagens principais esperam pela chegada de um sujeito chamado Godot, sem êxito. Já na peça de Visniec, o mistério acaba e Godot finalmente aparece. Uma das principais ideias presentes no texto de Visniec é a busca por um significado da existência, dentro de uma atmosfera absurda e surreal. Em diversos momentos, se promove um questionamento do que é real ou não, através do encontro de um personagem com o dramaturgo.
Há uma forte presença de críticas sobre o fazer teatral no texto. Por exemplo, quando o personagem de Samuel Beckett diz: “Eu também quero dizer uma coisa. Lamento tudo que aconteceu. Se quiser, você pode entrar no final, como queria”. Godot então rebate: “E pra quê? O teatro está morto”.
Essa última fala oferece ao espectador diversas interpretações. Uma delas aponta como o teatro da época e da atualidade refletem cada vez mais influências da lógica do mercado capitalista e a busca incessante pelo vendável. Tais lógicas levariam à dissolução da qualidade estética e da originalidade nas obras, pois o capitalismo cria um padrão que as homogeneiza, tirando a profundidade, o significado, a complexidade e a possibilidade de crítica social. Então, tornam-se apenas mais uma das ferramentas que o sistema capitalista usa para manipular o espectador.
Os personagens de “O Último Godot” apresentam uma oposição a essa padronização. Eles lutam para encontrar um propósito em um mundo que, muitas vezes, parece dominado por forças além de seu controle, como quando o “dono do teatro” expulsa tanto Beckett quanto Godot de dentro do local. Mesmo assim, os personagens continuam refletindo do lado de fora.
Por fim, percebe-se que o texto traz o uso da metalinguagem — é uma peça de teatro que fala sobre o teatro e uma crítica social ao modelo teatral. Exemplo disso está na cena final: Beckett e Godot começam a se sentir nervosos e pressionados com o que falar quando público se reúne em sua volta. Essa cena pode ser facilmente interpretada como uma metáfora para a própria condição humana, na qual estamos constantemente expostos ao julgamento e à observação dos outros, e essa exposição pode nos deixar vulneráveis. No entanto, é justamente através desse compartilhamento de experiências e perspectivas que encontramos significado e conexão uns com os outros. Tal conexão tem se perdido teatralmente nos anos da contemporaneidade, desde quando a grande influência do capitalismo começou.
*Estudante da terceira fase de Artes Cênicas na UFSC, atriz de teatro (2017-presente) e de audiovisual.
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